A educação só melhora com pressão social

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O desenvolvimento da educação brasileira foi pautada nas últimas décadas pela expansão. Mais escolas, mais professores, mais disciplinas nos currículos, mais verba… Um modelo combatido pelo professor João Batista Oliveira. O doutor em pesquisa em educação defende que antes de investir mais recursos nos colégios, o País deveria fazer o dever de casa, que começa com a valorização da carreira do docente.

Oliveira, que é um dos especialistas mais reconhecidos no cenário nacional nessa discussão, foi o palestrante convidado pelo projeto Pernambuco Desafiado Educação, promovido pela Revista Algomais e TGI Consultoria em Gestão, com apoio da ABA Global Education e Faculdade Pernambucana de Saúde.

A palestra contou com uma plateia bastante representativa das escolas privadas do Recife, além da presença do vice-governador de Pernambuco, Raul Henry; do secretário de Educação do Recife, Jorge Vieira; e do secretário executivo de Educação profissional de Pernambuco, Paulo Dutra. A abertura do workshop e apresentação do palestrante ficou a cargo do economista e colunista da Revista Algomais, Jorge Jatobá.

Para repensar o futuro do sistema educacional, o professor João Batista apresentou uma série de números que questionam as ações mais recentes executadas pelo poder público brasileiro. O quadro negro da educação brasileira foi construído, na opinião do especialista, por decisões equivocadas. “O nosso sistema está inflado e só ouvimos falar em expansão. Os números nos levam a pensar o contrário do que ouvimos nos últimos 55 anos. É preciso fazer melhor e mais bem feito. Combater essa ideia que só se resolve gastando mais”, combateu. Ele justifica suas ideias afirmando que houve uma triplicação dos recursos injetados na educação nos últimos anos, sem que isso tenha obtido qualquer resultado mensurado.

Entre os números que embaçam essa análise estão a mudança demográfica da população brasileira, que indicam uma redução da população escolar nos próximos 20 anos. Para ilustrar o cenário inflacionado do ensino no Brasil, Oliveira mencionou que em Pernambuco, 24% da população total está na escola, enquanto, a rigor, esse número deveria ser em torno de 20%. Percentuais que se assemelham à média nacional, de acordo com o especialista. Ele avalia que as escolas atuais teriam vagas sobrando se não houvesse uma política de repetência nas nossas redes de ensino, que atinge atualmente 17% dos alunos matriculados.

Dentro dessa crítica da prioridade em expandir no lugar de qualificar a educação, João Batista menciona problemas estruturais como a ausência de um currículo básico para as escolas do País e, principalmente, a desvalorização da carreira do docente. “Observando a experiência dos países que têm um sistema de educação sólido, o que há de comum entre eles é o fato de terem professores qualificados. Enquanto o Brasil não tiver uma política para atrair jovens talentosos para serem professores, esqueçam o resto”. Na palestra, ele mencionou que os próprios pais e os diretores das escolas desestimulam que os jovens sigam o magistério devido ao desprestígio da profissão no País.

A formação de professores também é tema que preocupa o vice-governador Raul Henry. No wokshop ele citou uma pesquisa que revelou que quase metade dos alunos de pedagogia e de licenciatura têm renda familiar de até três salários mínimos e são filhos de pais que só estudaram até a quarta série do ensino fundamental. Além disso, esse futuro professor não tem em casa acesso a livros, jornais ou revistas e trabalha durante o dia para estudar à noite. “O cenário é preocupante, pois esse é o material humano que estamos requisitando para formar a futura geração do Brasil”.

Oliveira informou, no entanto, que atualizar todo um quadro de professores demanda cerca de 30 anos. O tempo para convencer os jovens com potencial a seguirem o magistério e prepará-los nas universidades para chegar na sala de aula e transformar essa escola.

“O problema é que o Brasil não tem paciência”, criticou o palestrante. Em uma das intervenções feitas pelo público presente, o diretor da ABA Global Education, Eduardo Carvalho, afirmou que a discussão sobre o sistema educacional no Brasil ocorre num
nível de referência muito distante dos países desenvolvidos. “Esse tema é um
dos que mais se discute em todos os países do mundo. A diferença é que enquanto partimos nosso debate de um Ideb de 3,5, os outros discutem as competências necessárias para os alunos do século 21 e assuntos mais evoluídos”, comparou. Ele lembrou ainda que há uma discussão do empresariado sobre que tipos de conteúdos são importantes para que o jovem desenvolva competências para o trabalho, como criatividade, comunicação e tecnologia.

Sobre a definição do currículo da escola brasileira, o professor João Batista defendeu que seja construído um conteúdo a partir da discussão com especialistas.

Um processo que não tem acontecido, na sua opinião. “Todo país sério tem um currículo. Isso é óbvio. Na maioria dos lugares do mundo eles são nacionais, nasceram de uma ampla discussão técnica e só se redige um currículo após um consenso, que é submetido aos professores. Muito diferente do que está sendo feito pelo Brasil, onde não houve mecanismo para discussão”.

O professor critica a prática da gestão brasileira de tentar resolver os desafios nacionais criando leis, que muitas vezes estão descontextualizadas e que não geram mudanças práticas no sistema de ensino. A quantidade elevada de disciplinas curriculares no ensino médio foi outro ponto questionado pelo especialista. Um problema que também é fruto da ideologia de expansão, que traz novas obrigatoriedades de conteúdos para a sala de aula.

Em seu livro recém-lançado, Repensando a educação brasileira – o que fazer para transformar nossas escolas, o especialista defende ser preciso observar a experiência de nações que conseguiram revolucionar o seu sistema educacional, como o Japão, a Coreia do Sul e até o Chile. “Na maioria dos países, as mudanças se deram na forma de um processo evolutivo, sem grandes sobressaltos”. Mais um recado de que a revolução do nosso sistema de educação não será fruto de um mandato presidencial, mas de um consenso a ser construído e acompanhado pela sociedade civil e por todos os grupos de interesse pela educação.

Ensino é essencial para o País crescer

Ao considerar o ensino como uma questão estrutural para a economia do País, Jorge Jatobá, que fez a abertura do workshop Pernambuco Desafiado – Educação, colocou em pauta o problema da competitividade, fruto da baixa qualidade dos nossos sistemas de educação.“Se quisermos construir um país próspero e competitivo temos que investir em conhecimento de boa qualidade.

Se fracassarmos nesse intento fracassaremos como nação. Discutir os desafios para a evolução da qualidade da educação básica no Estado é vital para construir alternativas que permitam superar um problema que tem sido considerado como um dos gargalos para a economia se tornar competitiva e se modernizar”.

Encerrando o evento, o vice-governador, Raul Henry, que tem sido um dos expoentes da educação no meio político, tratou do atual momento de crise como uma oportunidade de reflexão acerca das reformas que não foram feitas no País. “Tivemos uma grande janela de oportunidade, mas não fizemos os investimentos em infraestrutura; não realizamos as reformas estruturais no País, como a previdência e a tributária; e não fizemos o dever de casa na educação pública”, pontuou.

A qualificação dos docentes e a criação de instrumentos de meritocracia foram as bandeiras levantadas pelo secretário municipal, Jorge Vieira. “Professor qualificado é a condição necessária para o progresso.

É preciso investir em formação prática de sala de aula. Além disso, é preciso ser possível premiar os bons, orientar uma gestão por resultados a partir de metas”, defendeu. O secretário executivo de educação profissional de Pernambuco, Paulo Dutra, mencionou que um dos caminhos que o Estado de Pernambuco abraçou nos últimos anos foi fortalecer o seu programa de educação profissional e de ensino médio integral nos últimos anos. Ele destacou também a melhoria do desempenho do Estado medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que saltou do 21º lugar no País em 2007 para o 4º lugar no ano de 2013. Dutra ressaltou também a redução do abandono escolar no Estado.

Conheça o pensamento de João Batista Oliveira

DECISÕES NA EDUCAÇÃO DEVEM SER BASEADAS EM EVIDÊNCIAS

Para mudar o quadro negro do nosso sistema de ensino, o professor João Batista Oliveira defende a educação baseada em evidências. Ou seja, levar em consideração o resultado de grandes pesquisas realizadas nas últimas décadas que apontaram os instrumentos e metodologias mais adequados para a aprendizagem. O especialista lembra que, atualmente, os gestores públicos e privados dispõem de contribuições nas neurociências para o conhecimento do funcionamento do cérebro. “Hoje as decisões de um governo, e de uma escola ou de um professor podem e devem ser tomadas a partir de critérios muito mais robustos, sólidos e defensáveis do ponto de vista científico. Podem ser tomadas de forma profissional, não apenas
com base na experiência, costume, conveniência, aspectos formais, preferências pessoais ou achismo”, afirma.

CRIAR PRESSÃO SOCIAL

“A qualidade das escolas só vai melhorar se houver pressão social para que assim seja. O Brasil ainda não se deu conta da importância e da gravidade de seus problemas educacionais”.

O professor João Batista Oliveira afirmou que os pais dos alunos da rede pública parecem satisfeitos com o sistema educacional, porque eles tiveram menos acesso à escola e menos tempo de estudo que seus filhos.

Na palestra ele criticou também os empresários brasileiros. “A classe empresarial sabe cobrar quando seus interesses são afetados, mas não se mobiliza de forma adequada para educação de qualidade”. Ele lembra que a iniciativa privada é uma das prejudicadas pela má educação brasileira, pois absorve mão de obra pouco qualificada e precisa investir em programas de formação.

“É PRECISO REPENSAR CARREIRAS DE MAGISTÉRIO”

Um dos maiores entraves para mudar a realidade da educação brasileira é o capital humano das redes de ensino. Para o especialista, mesmo com todo o desenvolvimento das tecnologias aplicadas ao ensino, o docente continua tendo um papel fundamental no sucesso ou fracasso do aluno. “Nenhum sistema educativo é melhor do que o nível de qualificação de seus professores. E o preparo dos professores se afere por dois indicadores principais: sua capacidade de melhorar o resultado dos alunos e a qualidade e pertinência de seus conhecimentos a respeiro do que leciona”, declarou em seu livro Repensando a educação brasileira.

Uma distinção da carreira de docente entre o Brasil e os países que se destacam nos exames do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) é o prestígio da profissão. Onde o professor é valorizado como profissional, os jovens mais talentosos são recrutados para atuar na sala de aula. “Para melhorar o ensino é preciso estabelecer padrões elevados para atrair jovens talentosos para o magistério”. Oliveira defende que é urgente desconstruir o mito do “professor coitadinho” para criar uma cultura de valorização efetiva dos professores pela sociedade. Além de atrair jovens para a docência, o especialista sinalizar que também é necessário estabelecer políticas adequadas de formação e mecanismos de estímulo para que o professor continue aprendendo.