Instituto Alfa e Beto: Escolas inovadoras

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Artigo publicado no jornal O Globo

Salas de aula sem paredes, às vezes utilizando belos espaços ao ar livre como local de aprendizado. Pais participativos. Alunos trabalhando em grupo, de diferentes idades, trocando experiências e escolhendo os assuntos que estudarão de forma autônoma. Professores que, em vez de ficar parados em frente ao quadro negro falando para estudantes ordenados em fileiras, estão sempre ao lado das crianças, atuando como facilitadores do processo de aprendizagem e dando atenção individualizada a cada um deles.

Realidades como essas existem na nossa rede pública e foram retratadas no documentário “Quando sinto que já sei”. O projeto foi viabilizado por Antonio Lovato, Raul Perez, Anderson Lima e Anielle Gudes a partir de uma campanha pela internet que arrecadou R$ 49,7 mil. Esses recursos permitiram a visita a sete projetos educacionais. Ao ver o documentário, muitos pais e educadores se encantarão com as experiências. Há, no entanto, algumas perguntas pertinentes a serem feitas. Será que esses modelos alternativos não prejudicam o desempenho acadêmico dos alunos? Mesmo que funcionem nos casos mostrados, seriam aplicáveis a todas as escolas?

Para essas questões, não haverá resposta única ou consensual. Só não podemos é cometer o erro de tentar analisar essas experiências apenas com instrumentos tradicionais de avaliação, que nos dão somente resultados de curto prazo, a partir de testes padronizados.

Vale lembrar aqui a lição do projeto Perry, destinado a crianças de 3 a 5 anos, de baixa renda, e implementado na década de 1960 no estado americano de Michigan. Além de um atendimento pré-escolar de qualidade, o programa dava suporte aos pais para que soubessem interagir melhor com seus filhos, de modo a desenvolver o maior número possível de habilidades. As primeiras avaliações do Perry foram desanimadoras. Aos 10 anos de idade, testes de QI indicavam que os resultados dos participantes em quase nada diferiam dos verificados em crianças que não tiveram a oportunidade de frequentar o projeto.

Os dois grupos — de participantes e não participantes do Perry —, no entanto, continuaram sendo acompanhados ao longo da vida. Anos depois, o prêmio Nobel de economia James Heckman descobriu algo notável: mesmo não tendo desempenho acadêmico significativamente distinto, os beneficiados pelo Perry apresentavam menores taxas de desemprego, gravidez precoce e envolvimento com crimes. Eram adultos mais bem-sucedidos.

O programa Perry e as escolas retratadas no documentário são bastante distintos, mas têm ao menos uma característica comum: são projetos que miram não apenas o desenvolvimento cognitivo, tradicionalmente medido em testes padronizados. Há também a preocupação de trabalhar outras habilidades, tão ou mais importantes para a formação do cidadão, mas cujos resultados, em geral, só são percebidos no longo prazo.

Todas as escolas, inovadoras ou não, devem ser cobradas para atender ao direito da criança de aprender as disciplinas do currículo tradicional. Isso não significa, no entanto, que as matérias precisem ser ensinadas da maneira convencional. Por mais encantador que seja, nem todo projeto que procura romper com a estrutura secular é, só por isso, bem-sucedido. Mas é preciso olhar sem preconceito para essas experiências, respeitando seu tempo, pois há também muito a aprender com elas.

Em tempo: o documentário pode ser visto de graça no site quandosintoquejasei.com.br.

*Para ler o artigo completo, acesse: http://goo.gl/88CikM