Programas para a Primeira Infância devem privilegiar a família, diz James Heckman, em evento no Brasil

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Não há determinismo genético: o ambiente é capaz de mudar a trajetória de uma criança. Mas, para isso, são necessárias políticas deliberadas que incentivem a vida familiar e estimulem a interação entre pais e filhos.

Esta foi a mensagem central que o Prêmio Nobel de Economia James Heckman passou em um encontro recente promovido pelas revistas Veja e Exame em São Paulo para sensibilizar a e fazer avançar a pauta da Primeira Infância no Brasil.

A uma plateia composta por lideranças empresariais, Heckman alertou que investir no início da vida é mais efetivo do que distribuir renda. “Temos que entender que os recursos são limitados. Não estou dizendo que distribuir renda seja errado, mas devemos pensar em oferecer habilidades, capacidades de produzir oportunidades socioeconômicas e, com isso, contribuir para a sociedade”, disse.

O primeiro e decisivo passo para que haja uma mudança é “entender a economia do desenvolvimento de habilidades e formular políticas que reconheçam como essas habilidades são desenvolvidas”.

“Se temos problemas de saúde, construímos mais hospitais. Se temos problemas de educação, construímos mais escolas. Se temos problema de segurança, contratamos mais policiais. Precisamos entender que esses problemas têm a ver com habilidades que podem ser desenvolvidas a um menor custo”. Isso é investir com inteligência e, no caso das crianças, quanto mais cedo vierem os investimentos, melhor.

Mas, quando se fala em investir em crianças pequenas, o senso comum aponta para a construção de creches. Heckman defende que deveríamos pensar mais na família. As evidências apontam na direção de que, quando há um ambiente familiar que estimula o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais fundamentais – como autocontrole, empatia, responsabilidade –, é possível superar barreiras e garantir aos pequenos um futuro mais próspero do que o de seus pais.

Nos primeiros anos de vida, o cérebro é dotado de uma plasticidade enorme. O que significa que, apesar de a herança genética ser importante, é o meio em que a criança vive que determinará em que condições seus alicerces serão construídos.

Se o ambiente é positivo – estimulante, sem violência, acolhedor –, aspectos negativos como a falta de instrução dos pais podem ser superados. É por isso que quando se falar em educar crianças pequenas e privilegiar a Primeira Infância, a família deve ter papel central.

heckman1“Ao me ouvirem, vocês devem estar pensando que eu passei 15 anos trabalhando em uma caverna, mas as experiências estão por aí”, disse o especialista ao se referir às evidências sólidas que norteiam os trabalhos em Primeira Infância. “Pais engajados, bem orientados, podem mudar a trajetória de vida dos seus filhos”.

Heckman ilustrou sua fala com o exemplo do programa americano Perry, que, nos anos 60, ofereceu intervenção de qualidade a crianças em situação de vulnerabilidade social.

O programa mesclava 2,5 horas diárias de atendimento em creches de alta qualidade com 1,5 hora semanal de visita domiciliar, onde a interação ente mães e filhos era estimulada por profissionais treinados.

Os resultados, quase meio século depois, mostram que essas crianças se tornaram adultos com mais anos de estudos, como menos histórico de delinquência e gravidez indesejada, que necessitam menos de assistência social, e ganham salários mais altos.

“Este programa foi implementado há 50 anos – dá para fazer muito melhor do que se fazia há 50 anos”, brincou Heckman, salientando que, em intervenções como esta avaliar é fundamental, mas é preciso olhar para além de métricas como o QI.

“O resultado de QI [nesta intervenção] não veio”, mas os resultados obtidos foram extremamente significativos em termos de educação, saúde e bem-estar. “O que mudou nessas famílias foi a interação das crianças com os pais. A responsividade [a maneira como os pais respondem às necessidades dos filhos] é que mudou, e isso foi fundamental”.

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Ao final de quase duas horas, Heckman deixou a mensagem final de que, apesar de não haver determinismo, isto é, apesar de o cérebro humano ser capaz de se desenvolver durante toda a vida, os primeiros anos de vida constituem uma fase fundamental para se construir uma sociedade mais justa, produtiva e próspera. E que as esferas pública e privada precisam apoiar intervenções eficazes e baseadas em evidências.

“Não se trata de dizer como as famílias devem criar seus filhos”, mas “as intervenções são eficazes na medida em que afetam as interações familiares. Elas não devem substituir a vida familiar, mas incentivar as relações entre pais e filhos. Não estou dizendo que tudo acaba aos 3 anos, mas se este período for bem trabalhado bem, as crianças demandarão menos e se desenvolverão melhor ao longo da vida”.

 

Investimentos na Primeira Infância em quatro tópicos

Cuidar das crianças – protegê-las, alimentá-las, entretê-las – sempre nos foi intuitivo. Sabemos que elas são frágeis e delicadas e que precisam de cuidados. No entanto, nas últimas décadas, o conhecimento científico a respeito das crianças se expandiu mais do que em qualquer outra época e nos permitiu confirmar muitas das nossas intuições, mas também fez com que compreendêssemos as crianças de uma forma que nunca havia sido possível.

O mais importante foi entender que os primeiros anos de vida constituem o período mais sensível do desenvolvimento humano e que é neste período – que começa ainda na vida intrauterina – que se estabelecem os alicerces para a vida futura. Ou seja, uma sociedade mais justa, próspera e produtiva se constrói cuidando bem das crianças.

O economista americano James Heckman foi um dos grandes responsáveis por provar cientificamente que a Primeira Infância constitui o mais importante investimento de uma sociedade – o que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Economia no ano 2000. Recentemente, Heckman esteve no Brasil, onde deu palestra para empresários e buscou fortalecer a agenda de debates em torno deste tema no País.

A seguir, sintetizamos em quatro tópicos as principais mensagens deixadas por Heckman durante sua passagem pelo Brasil, e relembramos ações pioneiras do Instituto Alfa e Beto que há mais de uma década acompanha, aplica e debate as mais importantes evidências neste campo. Confira:

 

Antes do começo: o desenvolvimento se inicia ainda na gestação

“Pode parecer exagero, mas a ciência já reuniu evidências para sustentar que essa conta começa no negativo, ou seja, com o bebê ainda na barriga [da mãe]”, declarou o economista em excelente entrevista à Revista Veja, lembrando que o período intrauterino desempenha um papel importante no desenvolvimento posterior da criança. A probabilidade de ela vir a ter uma vida saudável se multiplica quando a mãe é disciplinada no período pré-natal.

Para o Instituto Alfa e Beto, garantir uma gravidez tranquila a mães em situação de vulnerabilidade social é dos principais desafios. O Diário de Maria é um instrumento desenvolvido pelo Instituto Alfa e Beto em parceria com o setor da saúde para ajudar gestantes nos cuidados básicos durante esta fase. Utilizado em parceria com o Programa Família que Acolhe (FQA), de Boa Vista (RR), o Diário transformou a vida de muitas gestantes. SAIBA MAIS

 

Não é só creche: a família como centro das intervenções 

“Um bom programa de primeira infância consegue ajudar a família inteira”, alertou o Nobel de Economia, “fazendo chegar até ela informações, boas práticas e valores essenciais, como a importância do estudo para a superação da pobreza”. Este é um equívoco bastante comum quando falamos na importância da Primeira Infância. Muitos pensam que garantir o desenvolvimento das crianças significa olhar exclusivamente para ela. Mas a chave do sucesso está em olhar para a família como peça fundamental desta engrenagem. Isso significa, necessariamente, desenhar políticas que vão muito além da creche.

Promover políticas de Primeira Infância para além das creches significa apoiar políticas inovadoras de fortalecimento da família como um espaço de promoção do desenvolvimento. É o que o Instituto Alfa e Beto fez ao colaborar com o Programa Criança Feliz, iniciativa do governo federal que visa promover o desenvolvimento infantil por meio de visitas domiciliares. Profissionais capacitados pelo Instituto farão visitas periódicas para orientar as famílias a respeito das melhores formas de estimular o desenvolvimento dos filhos. SAIBA MAIS

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Creche: só vale se tiver qualidade

As evidências dão conta de que, se a creche é boa, ela é capaz de alterar positivamente a trajetória de vida do indivíduo. Mas, para isso, ela precisa de um currículo rigoroso e um programa consistente. Não é o que acontece no Brasil, que privilegia a políticas de creche, que promove um sistema centralizado e engessado prejudicial às administrações locais e que vai na contramão das evidências. O resultado: dados apontam que alunos que frequentam creches e pré-escolas alcançam resultados piores no 5º ano do Ensino Fundamental do que alunos que só foram à pré-escola. E mesmo os resultados de pré-escola tendem a desaparecer no 9º ano.

Foco, rigor e coerência são princípios que norteiam todos os currículos desenvolvidos pelo Instituto Alfa e Beto, inclusive os destinados às creches e pré-escolas. Desde o início de sua trajetória, o Instituto também trabalhou para trazer ao País as evidências mais atuais e consistentes, com a realização de encontros e seminários. SAIBA MAIS

 

Leitura desde o berço: rompendo o ciclo da pobreza

A leitura desde cedo estimula ao mesmo tempo o gosto pela leitura, a capacidade de comunicação e a curiosidade para adquirir conhecimento, disse Heckman. Estimula também o desenvolvimento do vocabulário, de habilidades necessárias à alfabetização e, mais importante, favorece a interação familiar e estreita laços afetivos fundamentais ao desenvolvimento. É por tudo isso que livros constituem uma peça fundamental em qualquer intervenção de Primeira Infância.

Desde 2010, quando lançou na Bienal do Livro de São Paulo a Biblioteca do Bebê, o Instituto Alfa e Beto promove em seus programas e em políticas específicas a leitura desde o berço. Em 2015, uma pesquisa coordenada pela Universidade de Nova York avaliou o programa de leitura implementado em Boa Vista. Os resultados chamaram a atenção e foram destaque na imprensa. SAIBA MAIS

Para os interessados no tema da Primeira Infância e os avanços científicos na área, o Instituto Alfa e Beto lançou recentemente o livro Desenvolvimento Infantil: o que desenvolve?, de autoria de João Batista Oliveira, presidente do Instituto e PhD em Educação. O livro reflete a nova abordagem da ciência do desenvolvimento humano com foco nos primeiros anos de vida, e é leitura obrigatória para todos os interessados e entusiastas do tema.