Educação, eleições e o PNE

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Escola emocional

Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Valor Econômico

Em seu editorial de 10 de junho, o Valor apresentou a crítica mais contundente e pertinente sobre o Plano Nacional de Educação (PNE), recém-aprovado pelo Congresso. A única nota otimista do referido editorial é a esperança de que o Plano não será implementado. Dada a expectativa, cabe indagar: se todas as críticas ao PNE são corretas e pertinentes, onde estava o setor privado e as associações de classe durante sua discussão e votação? Olhando para a frente, indagamos: como será o diálogo do setor produtivo com os candidatos à Presidência da República, considerando que os três principais postulantes já se manifestaram a favor do plano e um deles já colocou a execução de suas metas como compromisso de campanha?

O PNE ilustra o processo equivocado de formulação e aprovação de políticas que vem predominando no Brasil. Abre-se inicialmente um processo de consulta, que em tese é amplo e que na prática acaba controlado pelos especialistas em manipulação, hoje devidamente instalados em todos os setores do Estado e níveis federativos, com predominância no federal.

Ao invés de se debaterem teses e propostas fundamentadas, constrói-se uma colcha de retalhos em que as reivindicações dos que falam mais alto vão ganhando corpo. É a vontade de cada um predominando sobre o interesse coletivo. As alianças entre os grupos de poder e concessões feitas aqui e ali arrematam o processo, dentro de um governo federal que se tornou totalmente aparelhado.

No Congresso Nacional o esquema de pressão funciona com perfeição. Os grupos da “sociedade civil (ou incivil?) organizada” se instalam nos gabinetes e aterrorizam os poucos parlamentares que ousam discordar de suas propostas – usando e abusando das redes sociais para denegrir as vozes discordantes em suas bases eleitorais. Técnicas “inovadoras” de votação adotadas pela atual presidência trazem as vozes da sociedade organizada para dentro do Plenário, coagindo os parlamentares com bandeiras, gritaria e outros rituais que desmoralizam o Parlamento e o processo democrático.

No fim deu no que deu – uma lista de 20 prioridades desconjuntadas e mais de uma centena de indicadores e metas. Se tudo for implementado, o Brasil vai dobrar o investimento público em educação e, como corretamente previu o editorial do Valor, nada vai acontecer com o resultado.

O brasileiro quer mudanças. O país precisa mudar, desenvolver seus recursos humanos, tornar-se produtivo e competitivo. No século XXI, os fatores que contribuem para o pleno desenvolvimento humano, especialmente na área cognitiva e social, são os mesmos que contribuem para o desenvolvimento econômico: educação, produtividade e desenvolvimento andam de mãos dadas.

O processo de elaboração do PNE demonstra que nosso sistema democrático carece de instituições fortes e de processos adequados para apresentar ideias transformadoras. O conteúdo das discussões e o conteúdo do que foi aprovado demonstram que falta ao Brasil uma visão clara do que efetivamente promove mudanças em educação. Continuamos na linha dos anos 50 de que mais é melhor.

Qual o papel do empresariado nessa história? Depois do indivíduo, o setor produtivo é o maior interessado em que o país tenha uma educação de qualidade. A falta dela significa enormes custos de recrutamento, seleção, treinamento e retreinamento de pessoas e perda de produtividade. A qualidade dos serviços no Brasil tem como resultado intermináveis aborrecimentos no cotidiano do cidadão e é matéria de chacota na mídia internacional. O período da Copa do Mundo prova isso. Os empresários perdem dinheiro com educação de má qualidade, mas silenciam diante de um plano que vai manter o status-quo com maiores custos.

Nunca o setor privado local participou tanto das questões da educação. Milhares de companhias engajam-se em atividades pertinentes à educação, dentro da empresa, no seu entorno ou em parceria com outras. Empresários criam, participam, promovem ou financiam governos, instituições e ações em prol da educação. Alguns deles até participam de instituições e ações de nível mais amplo. E as Federações e Confederações nacionais de empresários têm papel, peso e voz importante nas decisões nacionais.

Nada disso parece ter funcionado no caso do PNE. E o tema merece análise. Por que, diante de um problema que afeta a sobrevivência das empresas, os empresários, individual e coletivamente foram incapazes de se mobilizar? Ou, talvez, tenham se mobilizado do lado errado? Por que só agora a mídia, como fez o Valor, põe a nu o retrocesso representado pelo PNE?

O desafio ao setor produtivo é gigantesco. Embora insatisfeito com a educação, o setor não tem uma proposta para ela. E certamente esse não é o seu papel. Também não tem exercitado critérios para avaliar o custo da má qualidade da educação, resigna-se a pagar a conta e repassá-la aos custos. Não se habituou a promover avaliações independentes ou a fazer valer a sua voz a partir das avaliações existentes. No caso da discussão do PNE, limitou-se a ficar de fora do debate e garantir interesses menores em fatias do Pronatec.

Este é o Brasil que temos hoje. E estamos diante de um pleito eleitoral que pode mudar essa situação. Há pouco mais de vinte anos, uma campanha na televisão tinha como slogan a seguinte frase: “se o seu candidato não sabe como mudar a educação, mude de candidato”.

Como o rol de candidatos está praticamente fechado, a opção que nos cabe é outra. Quem sabe convencer algum candidato e fazê-lo mudar de ideia sobre as ilusórias bondades do PNE? É o que nos resta tentar. E cabe à mídia criar espaço para essa reflexão.