Pelo Pisa 2015, somos todos analfabetos em ciências

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A edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes ­ Pisa 2015 ­ não traz novidades para o Brasil. Mas como todo e qualquer desastre, deve servir para reflexão do empresariado nacional. O que está em jogo não é apenas o futuro da juventude e, sim, o destino da economia e da sociedade.

O problema não está no ensino médio, o buraco é muito mais embaixo. Vejamos os resultados: estamos 100 pontos abaixo da média dos países da OCDE, o que significa que o brasileiro médio com 10 anos de escolaridade sabe tanto quanto um aluno do 6º ano de um país desenvolvido. E isso não tem melhorado desde o ano 2000, quando o Pisa foi criado.

Nem o aumento de matrículas no sistema escolar (poderia gerar efeito negativo), nem o aumento dos alunos que fizeram pré­-escola (efeito positivo) tiveram impacto significativo.

Mais educação sem mais qualidade não produz resultados. Pior do que na média, estamos péssimos no limite inferior ­ a maioria dos brasileiros entre 15 e 16 anos de idade se encontra abaixo do nível 2 do Pisa, patamar mínimo para se considerar alguém como habilitado a conviver e contribuir na sociedade produtiva do século XXI.

Somos todos analfabetos, “nous sommes scientific illiterates”, para usar a expressão da moda.

Problema não está no ensino médio, e sim na alfabetização no 1º ano, no ensino da leitura e da matemática O mais grave é que, na ponta superior, nossos melhores alunos encontram­-se próximos à média dos alunos dos países da OCDE. Nos três níveis superiores do Pisa encontram-­se mais de 20% dos alunos dos demais países, brasileiros são cerca de 5%. E nos dois níveis mais elevados ­ nas elites ­ somos apenas um traço.

As diferenças entre Estados brasileiros reproduzem as desigualdades regionais e ­ apenas o Espírito Santo desponta timidamente no meio da mediocridade generalizada. Escolas privadas e nossas poucas escolas públicas de elite, que atendem alunos de elevado nível socioeconômico, situam­-se na média dos países desenvolvidos.

Um detalhe importante: nos países desenvolvidos metade ou mais dos alunos frequentam cursos médios profissionalizantes e há uma correlação positiva disso com os resultados nas provas do Pisa. Outro detalhe importante é que os países com melhor desempenho não são os que oferecem mais dias letivos ou horas-­aula ­ que raramente ultrapassam  800 horas por ano.

O foco é qualidade, não é quantidade.

O Pisa 2015 concentrou­-se em Ciências. O teste é muito bem elaborado. As questões exigem conhecimentos específicos das ciências, claro, mas, muito mais do que isso, exigem a capacidade de usar conhecimentos, científicos ou não.

Tais questões são elaboradas em três níveis de exigência cognitiva ­ elementar (o aluno sabe usar conhecimentos para lidar com a realidade), intermediário (relacionado com procedimentos científicos e inferências) e elevado (implica reflexão).

Em cada patamar, as perguntas podem ser mais contextualizadas num nível pessoal, local ou geral. Há todo tipo de oportunidade para avaliar o que os alunos conseguem fazer com informações e conhecimentos científicos, depois de frequentar a escola durante 10 anos.

O Pisa reflete o resultado de políticas educacionais. Países no topo, como os asiáticos, Canadá ou Finlândia, entre outros, fizeram o dever de casa e colhem os frutos. Portugal se aproxima da Europa – chegou rápido o resultado de reformas educativas recentes, pois a base era boa, ali faltava direção.

No Brasil, não há reformas nem resultados. Não precisamos recorrer ao Google Analytics para saber que as pessoas que acreditam que se o Plano Nacional de Educação (PNE) acontecer, iria mudar algo, são as mesmas que acreditam em Papai Noel. Natal é tempo de reflexão!

Os resultados do Pisa 2015 nos fornecem duas pistas valiosas para entender o que está acontecendo. O problema dos alunos não está no conhecimento dos conteúdos de ciências, mas na dificuldade em pensar, refletir, raciocinar, generalizar, abstrair. Esse problema, por sua vez, decorre do nível de leitura e compreensão de textos, que é pífio ­ e que se agrava com o analfabetismo generalizado em matemática.

O brasileiro médio com 10 anos de escolaridade treme diante de uma tabela ou gráfico elementar. Outra pista importante, fornecida pelos próprios alunos: o problema não está nos professores do ensino médio.

Nos questionários, os alunos dizem que os professores são compreensivos, entendem as dificuldades dos alunos, tentam adequar o ritmo do ensino, mas são incapazes de operar milagres.

O Brasil encontra­-se diante da oportunidade de fazer uma reforma no Ensino Médio. Não cabe aqui entrar no mérito se a estratégia é boa ou má ou se é possível mudar um sistema educativo de cima para baixo.

Na proposta de reforma há um ponto positivo – ­ a volta do ensino médio técnico. Mas há vários entraves, que conflitam com as lições do Pisa. O que o Pisa está dizendo, com clareza, é que o problema não está no Ensino Médio e nem nas matérias científicas ensinadas ou tampouco em Ciências.

O problema está mais embaixo, muito mais embaixo: na alfabetização dos alunos no 1º ano, no ensino da leitura e compreensão de todo tipo de texto e no ensino da matemática. Quem sabe isso bem e aprende a pensar é capaz de aprender ciências e muitas outras coisas.

Na contramão das lições do Pisa, a proposta de reforma do Ensino Médio amplia as horas-aula, esgarçando recursos e comprometendo a qualidade, e aumenta a quantidade de disciplinas obrigatórias, em detrimento do foco em Língua Portuguesa e Matemática. Ainda há tempo para corrigir isso!

Aprendemos ciências na escola para separar fato de opinião, analisar as evidências e usá-­las para tomar decisões mais racionais. Os dados do Pisa contêm informações valiosas que deveriam deixar os empresários brasileiros de cabelo em pé.

Em matéria de ciências, diz o Pisa, somos todos analfabetos. Será que também somos todos carecas?