A escola pública – além do currículo | Por Marcos Magalhães

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Este artigo encerra uma série que debateu em dez capítulos questões fundamentais para o avanço da educação no Brasil. As publicações aconteceram em comemoração aos 10 anos de atuação do Instituto Alfa e Beto.

Leia AQUI a série completa de artigos. Junte-se a nós nesse debate. Deixe seu comentário abaixo.

Embora seja tema controverso, há uma razoável concordância entre os especialistas do setor sobre qual é o papel da escola na sociedade. São os seguintes os objetivos mais convergentes:

  • Transferir para as gerações futuras o conhecimento acumulado pela humanidade;
  • Formar um jovem produtivo, capaz de gerar riqueza econômica, contribuindo assim para a prosperidade individual e coletiva;
  • Desenvolver no jovem o pensamento crítico de modo a equipá-lo a tomar as decisões relevantes para a sua vida e capaz de fazer as escolhas políticas acertadas, exercendo a sua cidadania e fortalecendo assim a democracia.

Se cotejarmos a recém publicada avaliação do PISA com os objetivos acima e se observarmos onde estão e como estão os nossos 33 milhões de jovens de 15 a 24 anos de idade, facilmente concluiremos que a nossa escola pública tem falhado de maneira expressiva.

No PISA estamos posicionados entre os 5 piores em um grupo de 70 países. Entre os nossos 33 milhões de jovens, 90% não sabem o esperado em Matemática e 73%  não dominam o que se espera em Língua Portuguesa. O mais dramático: vinte e sete milhões (83%) de jovens jamais chegarão ao ensino superior e não mais que 2% farão um curso profissionalizante. O resultado final é um contingente de 10 milhões de jovens na categoria conhecida como “nem-nem” (nem estuda e nem trabalha) e uma enorme população inseridas no mundo do trabalho por meio de subempregos.

As causas são amplamente conhecidas há anos, porém comete-se a insensatez de persistir no erro, esperando um resultado diferente. Esta é a definição de insanidade, segundo Einstein.

O atual modelo de escola pública está falido e precisa ser redesenhado.

Para melhor entendermos as mazelas do Ensino Médio, que é a porta de saída da educação básica, precisamos ter respostas às seguintes perguntas:

  1. Por que o jovem abandona a escola?
  2. Que tipo de escola ele gostaria de ter?
  3. Qual o perfil do jovem egresso do Ensino Fundamental?

As respostas obtidas através de ampla pesquisa conduziu às seguintes respostas:

  1. “A escola é chata”; “Não vejo conexão entre o que a escola ensina e o mundo lá fora”; “Não consigo aprender o que se ensina”.
  2. “Atrativa, acolhedora, que eu não seja visto como um intruso”; “Que se interesse por mim, que me oriente”; “Que me escute, eu tenho voz”.
  3. Tipicamente de família de baixa renda e em grande parte desestruturada, deficiente na formação acadêmica (3 anos de defasagem de aprendizagem), limitada formação em valores e baixo nível de ambição e auto-estima.

Este é o jovem que o nosso professor, com seu limitadíssimo repertório, recebe para educar.

Este cenário, associado às crescentes demandas do mundo do século 21, claramente sinaliza que a escola precisa ir muito além do currículo tradicional. A escola precisa, em grande parte, substituir a família no seu papel de co-educadora, ampliando o repertório na formação de valores, no desenvolvimento de atitudes e comportamentos e apoiando a construção do projeto de vida dos jovens.

Além disso, a escola atual precisa incorporar nas suas metodologias o desenvolvimento das habilidades socioemocionais, componente fundamental para a formação integral do jovem e para a maximização das suas competências cognitivas.

Uma escola com tantos desafios requer novos atores: um gestor capaz de liderar uma ampla transformação no ambiente escolar; professores que saiam de sua zona de conforto e transformem-se em educadores em todos os espaços e tempos do ambiente escolar e que a Pedagogia da Presença seja a referência para a prática educativa de todos, como nos ensinou o mestre Antônio Carlos Gomes da Costa.

Tudo isto requer um modelo que inicia-se com um Projeto Escolar que deve especificar com clareza quais domínios cognitivos e socioemocionais o jovem deve desenvolver ao longo dos 3 anos. A partir desta definição, deriva-se o Currículo, que é a tradução de como o desenvolvimento destes domínios deve ser realizado e daí, conclui-se quanto Tempo faz-se necessário para a sua plena execução.

De modo a saldar a enorme dívida que o país tem com a sua juventude, esta transformação jamais será possível, na sua plenitude com uma escola dita “regular”, com 4 horas de permanência diária e quando muito com 3 horas de atividade docente.

As deficiências são tantas e as demandas tão grandes, que só  com uma escola de jornada ampliada, com um currículo inovador e uma equipe escolar motivada, a transformação será possível.

Difícil?  Caro?  Se um Estado com baixo PIB per capita como Pernambuco mostrou ao país que é possível implantar em 12 anos uma rede de escolas de jornada ampliada no Ensino Médio (50% da rede é em jornada ampliada naquele Estado), com resultados expressivos e comprovados, não há por que o Brasil não seguir nesta direção.

Todo o mundo civilizado opera as suas escolas com jornada ampliada, desde sempre. Estamos atrasados apenas em um século!

“Escola regular, o que é isso?” Perguntam eles!

*Marcos Magalhães é presidente do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE)