Professor João Batista Oliveira fala sobre os desafios da volta às aulas no contexto da pandemia na rádio CBN

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O professor João Batista Oliveira participou nesse sábado, dia 6 de fevereiro, do programa Show da Notícia, apresentado pela jornalista Gabriela Viana, na rádio CBN, em rede nacional. Ele falou sobre os desafios da volta às aulas no contexto da pandemia de covid-19. A entrevista completa pode ser assistida AQUI.

Confira alguns trechos abaixo:

O que é importante ponderar nessa decisão de permitir que a criança ou adolescente retorne ao convívio presencial?

“A experiência mundial e de muitas escolas privadas que eu conheço tem mostrado que para as crianças pequenas não há muito problema desde que você tenha os cuidados básicos de máscara, distanciamento e ventilação. São os três cuidados essenciais. Isso está bastante comprovado, bastante assentado.

Obviamente, você tem que isolar a escola. Não deixar as pessoas ficarem entrando. Tem que ter os cuidados internos para isso. Os mais velhos de 12 a 15 anos têm uma dificuldade maior de se autocontrolar, de querer abraçar, ficar junto, um convívio mais próximo. Mesmo em outros países houve sim problema de contaminação por uma questão de falta de disciplina.

Agora, a questão central que se coloca no Brasil hoje é que para a escola poder funcionar com tranquilidade, para os pais terem tranquilidade – que é o que está preocupando – a sociedade tinha que segurar um pouco. O carnaval, as festas, shows, bares, tem que temperar. Isso que o Brasil não decidiu. Ele prefere essas outras coisas do que manter a escola, daí a apreensão dos pais.”

Qual o maior desafio no retorno às aulas e como a gente pode caminhar para resolvê-los da melhor forma possível?

“O impacto do primeiro momento há e haverá, mas isso passa. O importante é o que vai acontecer no médio e longo prazo. No curtíssimo prazo, o que eu acho essencial e tenho conversado com municípios onde trabalhamos, é você fazer muito bem a acolhida dos professores, pais e famílias. Das crianças das famílias. Ter um ambiente acolhedor onde você vai conversar, vai ouvir e sobretudo vai estimular as pessoas a falar das coisas boas que fizeram. Dos gestos de solidariedade e dos avanços. E não ficar chorando o leite derramado. Todos tiveram perdas. Temos que olhar para frente.

Acho que esse momento é importante. Mas sobretudo é importante porque a gente não sabe se vai fechar de novo a escola, possivelmente vai, é conversar com as famílias sobre o que é possível fazer para melhorar o dia a dia da criança. Em termos de organizar melhor o tempo delas em casa, organizar o espaço, as condições de receber os materiais da escola, seja de forma impressa ou off-line, on-line. É importante preparar e realizar esse diálogo. Alguns municípios já estão começando a fazer isso, mas têm muitos municípios que ainda não despertaram para a importância de ter todos esses protocolos muito bem dimensionados e treinados para aproveitar ao máximo esse primeiro momento de retorno.”

Qual sua análise sobre o déficit que fica entre as crianças que não tiveram acesso à internet e à escola e as que tiveram algum tipo de educação ao longo de 2020?

“Em primeiro lugar, todo mundo deveria ter tido educação. Falta de internet não devia ser nenhuma desculpa para ninguém. Eu vi município fazendo isso, combinar com os pais, ir na escola a cada quinze dias, pega o dever de casa.

Quem não fez, não fez porque não teve pique, garra, competência. Mas não culpe a tecnologia. Óbvio que quem tem tecnologia boa pode fazer melhor, mas não é por aí. Não dá para justificar a inércia, mesmo porque muita gente, muito município fez mesmo sem ter internet ou televisão.

Depois, mesmo sem internet, tem sistemas. Você pode gravar na escola a cada quinze dias, coloca off-line, leva em casa e ela tem lá os programas para ver sem gastar muito ou nenhuma internet dos pais durante a semana. Há mecanismos que poderiam, foram conhecidos logo no final do primeiro semestre e feitos por aqueles municípios mais dinâmicos. Temos trabalhos extraordinários ou pelo menos tentativas extraordinárias.

Onde tem perdas? O que a experiência mostra? Já houve pandemias no mundo, guerras, exilados, tem muitas experiências no mundo sobre esse tipo de interrupção da aula por 2, 3, 5 meses, até mais de 1 ano.

O que acontece quando paramos de ir na escola? A gente não para de aprender. A gente continua aprendendo. O que acontece de perda e quem perde mais? Tem três grupos que perdem mais. Quem está nascendo agora nesse ano de pandemia e em famílias muito pobres com pouco recurso podem ter uma grande perda no futuro para o resto da vida. Teve um pré-natal pior, insegurança alimentar etc. Isso vai ter um preço, as crianças, as famílias e sociedade vão pagar.

Segundo, quem perde mais? Aquelas crianças de 5 a 9 anos que não foram alfabetizadas. São as que tem menos condição de estudar sozinha, ler um livro. Isso é uma lição fundamental. A criança precisa começar a ser alfabetizada no dia que chega na escola, no primeiro ano. Se já não foi no Pré. Isso tem que acabar no Brasil, essa ideia de idade certa, essas bobagens.

Primeiro ano, alfabetiza e acabou. Porque se a criança não estiver alfabetizada olha o que acontece se tiver a pandemia. Então tem que dar autonomia para a criança, que é o outro passo. Não basta alfabetizar, a escola tem que começar a lembrar essa questão de que se o objetivo é formar aprendizes autônomos, você não forma depois que sai da escola. Você forma na escola. O dever de casa, o dia a dia, a responsabilidade, tem que entrar na agenda do dia.

Terceiro ponto de perda são as crianças que têm mais risco de sair da escola. Estão terminando o curso, já se reprovaram ou perderam muitos anos letivos por reprovação. Isso aí tem que correr atrás, fazer uma busca ativa, com certeza. O risco de perda do menino… Não perda de aprendizado e sim perda da pessoa.

Quando aos conteúdos escolares, tipicamente se perde informação específica da escola. Matemática fica atrasada em relação ao que ele estaria, mas não é nada que uma boa escola, que se organizar para fazer o que deve fazer, não se recupere no prazo de um ano, um ano e meio a dois anos, que é a experiência internacional.

O que é importante fazer? E eu vejo as pessoas tateando. Uma boa escola, pública sobretudo que tem recursos limitados, o que ela tem que fazer é concentrar no essencial. Português, matemática, ciências e nesse contexto agora atividades físicas que é muito importante. Se ela quiser recortar um pouco de tudo é o pior dos mundos. Tem que ter inteligência e saber onde cortar. Corta no que não é essencial e mantem o essencial.”