Por que a educação precisa mudar

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Escola emocional

Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo

Está claro que o povo brasileiro quer mudança. Em meio a tantas reformas clamadas, está a da educação. A educação precisa mudar. Por quê? Porque está mal de resultados, de instituições, de políticas. E pior: porque ainda nem começou a mudar. Vejamos.

A educação está mal de resultados. No plano internacional sabemos disso pelos resultados do Pisa, que nos colocam entre os piores países que participam do exame. Também estamos mal no ranking das universidades e fazemos feio quando mandamos ao exterior jovens monoglotas beneficiados pelo Ciência Sem Fronteiras. Estamos mal porque, por falta de educação adequada, as desigualdades estão aumentando. Na única etapa em que a educação avançou um pouco entre 2007 e 2009, que são as séries iniciais do Ensino Fundamental, os alunos das classes B e acima aumentaram mais de 30 pontos, mas os alunos das classes B e abaixo aumentaram menos de 5 pontos. Estamos mal porque nosso ensino médio voltado para o vestibular reprova metade dos alunos que nele conseguem entrar e os condena ao contingente dos “nem estuda nem trabalha”. Estamos mal por que dobramos os gastos com educação nos últimos 10 anos mas isso não se refletiu nos resultados – o que comprova que o investimento foi mal feito, como no caso do Pronatec, um programa de 14 bilhões de reais que até agora não apresentou resultados.

Estamos mal de instituições. O aparelhamento que tomou conta do governo também tomou conta da educação. Passamos a viver numa época do pensamento único, em que falta debate e em que há temas proibidos – sobretudo os que podem desagradar a qualquer interesse corporativo. Os Conselhos de Educação tornaram-se povoados por representantes de interesses corporativos, o que liquida a priori qualquer possibilidade de atuarem de forma isenta, menos ainda em prol do bem comum.

O peso e a capacidade operacional do governo federal liquidaram o pacto federativo, como se tornou patente no episódio do estabelecimento do Piso Salarial do Magistério. O problema não é o Piso, é criar obrigações para as instâncias subnacionais. Em outro episódio, obrigou-se o INEP a enviar os resultados da Prova Brasil para a Casa Civil antes de divulgá-los, enfraquecendo a instituição da avaliação. Também nos faltam instituições adequadas nas áreas fundamentais da pedagogia, como currículo e formação de professores. Temos poucas na área de avaliação e quase nada na gestão. E praticamente nenhum foro ou tolerância para qualquer tipo de debate sobre educação.

Estamos mal de políticas. As políticas públicas foram substituídas por programas, que seguem uma sequência uniforme, previsível, inexorável e fadada ao fracasso. Primeiro acertam-se as ideias, sempre dentro de casa. Em seguida abre-se um “debate amplo”, devidamente controlado pelo aparelho que tomou conta do estado. Eventuais divergências são contornadas pela pressão política, econômica e, mais comumente, pela cooptação. O mecanismo de repasse de recursos do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) elaborado por Estados e municípios para refletir suas prioridades, que foi criado para substituir o “balcão” de favores, tornou- se objeto de vendas cruzadas capazes fazer o CADE cair de costas: para receber recursos previstos no seu plano, o cliente precisa “levar” sua cota de creches ou ônibus escolares ou adotar o programa tal ou qual. Por exemplo, o Governo Federal se gaba que um de seus programas foi pactuado por mais de 5.500 municípios. Mas se esquece de informar a que custo foi conseguido esse “pacto”. Enquanto a lei de licitações cria dificuldades, o governo “vende” facilidades para comprar ônibus escolares que custam 3 vezes mais caro do que nos países desenvolvidos ou camisetas escolares com chips para entrar em escolas que sequer possuem portões. Estima-se que dos mais de 60 bilhões de recursos repassados pelo governo federal para Estados e municípios menos de 10 bilhões seguem via Fundeb. A maioria acabam sendo recursos repassados de forma discricionária.

O caso do Mais Educação ilustra muitas dessas mazelas que o Brasil quer e precisa mudar. Ele constitui a epítome da descaracterização do pacto federativo. Trata- se de um programa criado para estimular a oferta de educação integral. O termo já é ambíguo: nem é escola em tempo integral, nem ensino em tempo integral. É algo indefinido. Ao invés de estabelecer políticas – que num caso desses precisaria de um horizonte de pelo menos 10 a 15 anos – tudo se faz na correria: é pra ontem, há metas a cumprir, cotas a preencher. Ao invés de estimular as redes de ensino a desenvolverem políticas sustentáveis, o governo federal vai diretamente às escolas e oferece a elas incentivos para fazerem seus “puxadinhos”, para o que recebem uns trocados. E depois de se acertarem com o MEC, sem consultar as suas Secretarias, as escolas vão procurá-las para prover recursos para transportar alunos, dar-lhes almoço, espaço físico e todo o resto.

A educação está mal porque não começou a mudar. Uma reforma da educação requer um consenso mínimo da sociedade a respeito do que seja a Escola. Disciplina, autoridade, mérito e meritocracia são conceitos essenciais para o entendimento da escola. Essa Escola é para servir à sociedade e promover a equidade via esforço, e não para servir aos interesses de grupos específicos. No Brasil perdermos essa ideia.

A escola serve para tudo e ao mesmo tempo não serve para nada, e serve pouco para o que deveria servir, que é ensinar bem. Não temos currículo, porque no espaço permitido para o “debate” não se podia falar em disciplinas. Até poucos meses atrás era engraçadinho e politicamente correto ser contra a ideia de ter currículo e quem falasse em disciplinas era execrado. Se não temos disciplinas, não temos autoridade – pois essa se funda no domínio do conteúdo. E por aí vai. A partir de um entendimento mínimo do que seja escola se inicia um projeto de educação, com base em uma cultura da educação e uma cultura da escola. É desse rescaldo que surgem as primeiras instituições, que devem estar voltadas para o desenvolvimento do magistério: criar carreiras atrativas para atrair e manter jovens talentosos para serem professores. O Brasil ainda não deu esse passo – em nenhum nível federativo.

A sociedade brasileira quer mudança. A educação precisa de mudanças. O governo federal pode ter um papel importante nesse processo. Está na hora de eleger quem for mais capaz de iniciá-lo.