Ensino Médio: a palavra-chave é diversificação

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Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo publicado originalmente na Revista Exame CEO

Nos diferentes países, os empresários e os provedores de educação e formação profissional divergem em suas percepções. Enquanto os empresários reclamam da falta de preparo dos candidatos a emprego, os formadores se queixam da falta de treinamento nas empresas. No Brasil, quando falamos em mão de obra, estamos falando de uma maioria de empregados com nove anos ou menos de escolaridade, pouco mais de 20% com nível médio completo ou incompleto e menos de 20% com nível superior. O ponto crítico é a qualidade: de acordo com a avaliação do Instituto Montenegro, 40% do pessoal de nível superior é analfabeto funcional. O aumento relativo do nível de escolaridade não tem mudado esse panorama. A quantidade de trabalhadores com qualificação ou certificação técnica formal é inferior a 10% da força de trabalho. O resto possui, no máximo, cursos de curta duração.

Nos países desenvolvidos, a formação profissional se dá prioritariamente no nível médio. Nesses países, entre 30% e 70% dos alunos de nível médio frequentam cursos médios profissionalizantes. Em contraste, no Brasil, apenas 7% dos alunos do ensino médio frequentam cursos médios profissionalizantes e, pela legislação, precisam também cursar o curso médio acadêmico — o que reflete o preconceito da sociedade em relação à formação profissional.

Onde estão os problemas?

Os principais entraves podem ser resumidos em quatro aspectos. O primeiro é a baixa qualidade da educação geral. Essa qualidade vem aumentando muito lentamente, mas a melhoria se deve mais a fatores externos à escola, como o aumento da escolaridade das mães e do nível socioeconômico das pessoas. Em termos de qualidade, o setor educacional encontra-se estagnado há décadas — a falta de avanço nas notas dos alunos nas redações do Enem é uma prova disso. O ensino de conteúdos é fraco e a aprendizagem é pífia.

O segundo problema é de natureza cultural: cada vez mais, a escola brasileira — especialmente a pública — vem deixando de ser uma matriz de formação de valores considerados fundamentais para o sucesso na vida e no trabalho, como a pontualidade, a autodisciplina e a valorização da iniciativa, da persistência e do esforço para atingir resultados. Diretores e professores raramente figuram como mestres, personagens marcantes na vida dos jovens. A escola não os prepara academicamente, não fornece bons modelos de comportamento adulto e não forma para a vida e para o trabalho.

Um terceiro problema refere-se à política governamental para o ensino médio. Diferentemente de todos os países desenvolvidos do mundo, o sistema educacional brasileiro só admite um tipo de ensino médio: o acadêmico. O resultado é desastroso: cerca de 40% dos alunos repetem o 1º  ano; dos que iniciam o ensino médio, apenas 50% o concluem. Dos concluintes das escolas públicas, menos de 10% obtêm desempenho satisfatório em língua portuguesa e matemática. Mas não é só a escola que pune seus alunos. O mercado de trabalho também pune impiedosamente os jovens que não concluem o ensino médio: eles ganham menos até do que os concluintes do ensino fundamental (veja quadro ao lado).

O problema número 4: nada indica que o panorama irá se alterar nos próximos anos. Hoje podemos prever com bastante segurança o desempenho das crianças que estão matriculadas na pré-escola e que chegarão ao ensino médio daqui a dez anos. Não há razão para euforia.

Onde estariam as soluções? Onde encontrar modelos de sucesso? As soluções são conhecidas — elas existem no Brasil e em outros países. Mas o fato de serem conhecidas não significa que sejam de fácil execução. No longo prazo, a melhoria do capital humano depende de esforços gigantescos na redução da pobreza e, em paralelo, de políticas voltadas para promover o desenvolvimento das crianças nos primeiros anos de vida, especialmente antes da entrada nas pré-escolas. Mas só isso não basta — é preciso que essas crianças recebam atenção e ensino de qualidade quando entrarem na escola.

No que se refere ao ensino médio, a saída conhecida se chama diversificação — oferecer aos jovens do ensino médio modelos e opções de escolas e cursos diferenciados, que correspondam às suas capacidades, interesses, talento e nível de esforço.

Nos países desenvolvidos há quatro modelos de diversificação. O primeiro deles, e mais tradicional, é o sistema usado nos países de tradição germânica. Nesses países, cerca de 70% dos jovens matriculam-se em escolas de ensino médio de cunho profissionalizante. Os alunos passam metade do tempo na escola, aprendendo conteúdos relevantes para a vida e para a formação profissional, e metade como aprendizes nas empresas. O segundo é o modelo das escolas técnicas de nível médio, que possuem laboratórios, ateliês e oficinas próprias onde o aluno aprende a teoria e a prática. Na maioria desses países há cursos técnicos médios para a indústria, comércio, serviços – com diferentes graus de especialização. Nesses dois casos, o aluno frequenta escolas onde predomina o “ethos” da formação profissional. Em alguns países, esses cursos dão acesso geral ou limitado a cursos superiores. Um terceiro modelo — existente sobretudo nos Estados Unidos — é o das “career academies”. Essas são escolas de nível médio com vocações definidas — moda, artes, culinária — e nas quais as disciplinas acadêmicas são ministradas de forma contextualizada.

O nível de exigência acadêmica dessas escolas é muito variável, mas a taxa de conclusão de cursos é muito elevada, especialmente considerando o fato de que esses alunos dificilmente concluiriam o curso acadêmico convencional.

Por fim, a Finlândia vem experimentando um modelo de ensino médio aberto — o aluno de ensino médio escolhe entre 75 disciplinas aquilo que ele quer fazer a cada ano. Ou seja: não faltam modelos de como diversificar o ensino médio. Mas é preciso que eles sejam ajustados à cultura de cada país.

O que o empresariado pode fazer diante desse quadro? Permito-me sugerir algumas ideias. Como indivíduo, empresário e cidadão, há três contribuições importantes. Uma delas é sinalizar, diretamente para as escolas onde se formaram seus candidatos a emprego, quais são as habilidades que sua empresa está procurando e como os candidatos se saem nelas. Se as escolas começarem a entender melhor o que o setor produtivo espera das pessoas, elas vão levar um susto enorme, mas vão acabar respondendo a essa demanda — de uma forma ou de outra. Outra contribuição é proporcionar estágios relevantes para os jovens — para que eles tenham oportunidades verdadeiras de aprender a trabalhar. Isso vale para alunos dos vários níveis de ensino, estejam eles ou não no ensino médio. A Lei da Aprendizagem é bastante restritiva, mas há espaços para toda empresa oferecer estágios relevantes e ensinar os jovens a trabalhar. A terceira contribuição dos empresários é entender que a função da escola não é preparar mão de obra, mas preparar as pessoas para aprender. Portanto, cabe à empresa ensinar as pessoas a trabalhar, e para isso é necessário oferecer programas de treinamento e desenvolvimento de pessoal de alta qualidade.

E é necessário abrir mão da exigência que as pessoas tenham experiência. Experiência se adquire na prática, e se sua empresa é boa, ela tem obrigação cívica de contribuir para a formação dos recursos humanos do país.

Como membros de associações profissionais, há muito que os empresários podem fazer. Primeiro, cobrar e exigir do governo que ofereça um ensino público de qualidade. Empresários sabem como fazer para promover seus interesses.

Segundo, propor, por meio das confederações e outras associações empresariais, uma reforma profunda do ensino médio. Um primeiro passo concreto seria promover encontros para apresentar e debater os modelos de ensino médio de outros países, realidade que as autoridades brasileiras e a imprensa insistem em ignorar. Um terceiro passo seria propor alterações na Lei da Aprendizagem, menos no sentido de criar obrigações para os empresários, e mais para estimular ações que transformem o estágio em verdadeira iniciação ao mundo do trabalho, focada no primeiro emprego e articulada com incentivos para a contratação posterior dos estagiários. Finalmente, urge transformar as entidades do sistema S (como Senac, Senai e Sebrae) em verdadeiros modelos de ensino médio diversificado — utilizando de forma mais eficiente e eficaz a enorme capacidade instalada e os vultosos recursos que hoje são pulverizados em ações de curta duração e impacto duvidoso.