A política nacional de alfabetização apresentada pelo MEC

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Com pelo menos 20 anos de atraso, o MEC anuncia hoje sua política nacional para a alfabetização – felizmente na direção correta. Isso representa um grande avanço num país em que a educação é dominada pelas ideologias, e não pelas evidências.

Não faltarão as críticas de todos os lados. Três grupos têm se destacado nessa linha de combate.  O primeiro grupo, mais volumoso, é composto pelos terraplanistas pedagógicos, que negam a importância da alfabetização e do método fônico, bem como as evidências acumuladas sobre este qualquer outro tema que destoe de suas concepções teóricas.  O segundo grupo é formado pelos manipuladores e contorcionistas da linguagem – que dominaram as políticas nefastas de alfabetização do MEC nesses últimos 25 anos e insistem no “não apenas… mas também”. Eles vêm ludibriando os incautos há décadas, com a retórica de que ensinar a ler não é só ensinar o código, mas também um punhado de outras coisas.  E por quase três décadas deixamos de alfabetizar por causa do “não apenas …. mas também”.  E finalmente há grupo dos que jogam para a arquibancada e vão invocar a autonomia do professor e as diferenças regionais como motivo para não se curvar às evidências. Como se princípios científicos universais – como o princípio fônico – fossem sujeitos a injunções regionais.

Mas haverá também o grupo dos neo-convertidos – alguns dos quais se dirão adeptos do método fônico desde criancinha.  Fluência de leitura então … sempre fomos fanáticos pela fluência.  Melhor assim.  E certamente haverá os que – mais cedo ou mais tarde –  irão aderir. Pelo bem ou pelo mal (quase sempre pelo segundo), o MEC exerce um poder e fascínio especialmente sobre os estados e municípios – a maioria deles, na verdade, se entende como uma extensão do MEC.  Curiosamente o CONSED acaba de lançar um documento “técnico”, que louva as iniciativas do passado que não deram certo, e não quer nenhuma mudança nas formas de atuação do MEC.

Importa reconsiderar o passado, sim, pois sempre há lições para se tirar e ter em mente.   Nas duas últimas décadas o MEC negou e torpedeou qualquer debate científico sobre alfabetização.  Vários dos membros convidados para a comissão escolhida para formular as políticas de alfabetização do MEC são co-signatários de documentos críticos da BNCC – a Base Nacional Curricular Comum.

Também houve e há problemas na área das universidades. Apesar do trabalho sério e competente de alguns grupos de pesquisa nos departamentos de Linguística e Psicologia pelo menos desde a década de 90, os departamentos de Educação são responsáveis pela deformação e desinformação do país e dos professores nesta área da alfabetização.  Não se trata de pedir uma confissão de culpa.  Mas é preciso virar a página. A ideia de universidade não pode viver com dogmatismos.  Paradigmas científicos podem ser contestados com evidências, não com dogmas ou doutrinação.

Importa mais o futuro.  Os desdobramentos são imensos. O MEC atual possui pouca credibilidade, prestígio e habilidade para conduzir complexos processos desta natureza. Em países como a Inglaterra ou França – que partiram de um ordenamento institucional bem mais positivo – os embates e muxoxos se seguiram por alguns anos, e mesmo na França houve retrocessos e ainda há focos de resistência, especialmente nas faculdades de formação de professores.

E aqui surge uma inquietação, e um desafio.  Princípio fônico, método fônico, fluência de leitura, como alfabetizar – tudo isso pode ser novidade para muitos – mas é algo já dominado há décadas.  É bom que o MEC tenha um documento acertado nesta área – ainda que esse documento não contenha nada que não se saiba com segurança há pelo menos 20 anos.  Também temos, no Brasil, alguns bons exemplos de sucesso na alfabetização e no desenvolvimento da fluência de leitura, com uso de métodos e processos adequados, e coleta sistemática de evidências.  O problema de uma política não está aí, em produzir documentos – e sim na implementação.

Há inúmeras questões em aberto. As mais importantes delas são as fragilidades da BNCC e a ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização.  Não será fácil conviver dentro do MEC com tamanha inconsistência – para não dizer aberração.

Até aqui as contidas manifestações da Secretaria de Alfabetização têm insistido na tecla das evidências.  Será que há evidências robustas para fundamentar a implementação das políticas sugeridas?  Por que não utilizar as evidências e a experiência dos que já fizeram e sabem fazer, ao invés de reinventar as fracassadas políticas do MEC nas últimas décadas?  Fazer a coisa certa da maneira errada tem pouca chance de dar certo.