O risco da volta às aulas

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O risco da volta às aulas

O retorno às aulas presenciais deveria figurar como prioridade absoluta por todos que respeitam os direitos das crianças e são comprometidos com o futuro do país. São compreensíveis, mas inaceitáveis e injustificáveis, os argumentos apresentados pelos que se opõem ao retorno. Há riscos. Mas prudência não é sinônimo de medo. Prudência significa agir com sabedoria. Parcela significativa da população não teve opção, enfrentou a pandemia, correu e continua correndo riscos em nosso favor. É assim que uma sociedade funciona.

O maior risco maior não está na volta às aulas. O maior risco está em retornar às práticas anteriores. O risco de a escola voltar a funcionar como antes, como se pandemia não houvera. Compartilho com o leitor as minhas reflexões.

A sociedade – e especialmente as famílias e alunos – sentiram falta da escola. Esse sentimento trouxe à tona a importância de outros papeis da escola. O mais visível é a função de custódia – guardar as crianças durante parte do dia para os pais trabalharem ou para mantê-las fora da rua. São funções nobres e importantes. A outra é a formação de hábitos, rotinas e disciplina, base para desenvolver o controle da atenção, memória e concentração necessárias para a aprendizagem. Uma terceira é o espaço de interação social dentro de uma organização hierárquica, onde imperam regras claras, previsíveis e bem definidas, cujo propósito principal é assegurar proteção às crianças e jovens, e eles sabem disso. Uma quarta é o sentimento de pertença: a minha escola, a diretora da minha escola, o meu professor, a minha turma, minha sala, minha carteira.  Esse sentimento de pertença gera segurança, companheirismo e senso de reciprocidade. Tudo isso, claro, subordinado à função central da escola, que é a de ensinar e estimular os alunos a desenvolver ao máximo o seu potencial.

Onde está o risco da volta às aulas? O risco reside em voltar a ser como que era antes.  Seria o desastre. Mesma aula. Mesma forma de ensinar. Mesma rotina. Mesma forma de tratar os alunos. Mesma forma de tratar os pais. Mesma forma de tratar a presença e ausência dos alunos. Mesma forma de passar e corrigir os deveres de casa. Mesma forma de tratar com as tecnologias. Grave também seria ficar esperando orientações do MEC ou das Secretarias que se omitiram ou que agiram de forma leviana e irresponsável durante a pandemia.

Mais grave ainda é o risco de cada escola não ter prontos o plano A, B e C – todas tiveram pelo menos 15 meses para isso. Não saber como irá acolher os alunos. Como correr atrás dos que desapareceram do radar. Como acolher os pais e desenvolver novas formas de comunicação, relacionamento e parceria com eles. Como realizar o diagnóstico dos alunos. Como enturmá-los em função dos diagnósticos. Como recuperar o tempo perdido no menor tempo possível. Como decidir o que manter e o que descartar do currículo.

É claro que todos – pais, alunos, professores, gestores – esperamos voltar às nossas rotinas. Afinal, elas dão segurança e conforto. Mas o mundo mudou. As percepções e expectativas sobre a escola mudaram. A escola que não se preparou para mudar e que não mudar não será capaz de lidar com os novos desafios e de ajudar os alunos a superá-los.

Voltar a operar como antes é o grande risco. Como se nada tivesse acontecido. Como se os alunos pudessem continuar a não desenvolver importantes habilidades na pré-escola. Como se os alunos não devessem ser alfabetizados no primeiro ano. Como se não fosse importante desenvolver habilidades de fluência de leitura e promover a autonomia do aluno para estudar sozinho. Como se não fosse importante passar e corrigir deveres de casa estimulantes e relevantes. Como se os pais não fossem parceiros fundamentais da escola e no acompanhamento da vida escolar do aluno. Como se as evidências valessem apenas para a covid e não para a educação.

É esse o grande risco da volta às aulas.

Post originalmente publicado por João Batista Oliveira em seu blog Educação em evidência, na Veja.