Qual será a pauta do novo Ministro da Educação?

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Foto por: Adriano Machado/Reuters – Veja.com

Nesta série de posts, comento o conteúdo de uma entrevista que dei ao Instituto Millenium a respeito dos desafios que serão enfrentados pelo Ministro Weintraub. O objetivo não é ensinar o padre-nosso ao vigário. Trata-se de aproveitar a oportunidade para estimular o debate sobre o papel do governo federal na educação.

O Ministro entra em campo com uma série de desvantagens, um MEC desgastado e dividido, não existe uma proposta do governo para a área, a estrutura do MEC é inadequada para suas funções, o saldo de emergências deixados pelo antecessor pode fazer com que as árvores no caminho dificultem a visão da floresta. O Decreto sobre Alfabetização deixou claro que há forças externas ao MEC com alto poder de fogo e guerrilhas internas longe de estarem debeladas.

As urgências e emergências constituem um desafio duplo. De um lado requerem decifrar se efetivamente o são, e quem deve cuidar delas. Há vários problemas que não deveriam ser problemas do MEC, muito menos do Ministro. Existe uma forte pressão externa, com apoios internos, para que o MEC dê continuidade à gestão anterior. Afinal de contas, a atual pauta do MEC reflete “o grande consenso” sobre a educação. A lista dos ministeriáveis da qual surgiu o nome do atual Ministro sugere que muita gente do governo acredita nessa pauta. E o novo Ministro?

Certamente há questões prementes, mas nenhuma delas deveria ocupar o tempo de um Ministro, como a escolha da gráfica para imprimir os testes do ENEM ou o emperramento do site do FIES. Há questões graves – como dar ou não continuidade ao processo do PNLD – mas será que há urgência? A “pressa” se dá para criar fatos consumados e legitimar a açodada implementação da BNCC. É isso que o Ministro pretende fazer? O mesmo se dá com a pressão para liberar recursos para os programas do MEC – entre eles o programa para expansão do tempo integral no ensino médio. Será que esses programas precisam mesmo existir? Dessa forma? Antes de uma análise crítica dos problemas do ensino médio, que nem de longe a lei da reforma do ensino médio arranhou?  O caminho fácil para o novo Ministro é o da acomodação – e da retórica do “trocar os pneus com o carro andando”. Isso soa bem na boca de políticos e nos ouvidos dos seus fãs. No mundo real ou se para o carro para trocar o pneu ou se quebra a roda, a suspensão ou cai no precipício.

O que seria de se esperar de um Ministro da Educação no momento presente que vive o Brasil?

Comecemos pelo contexto. Primeiro, a economia. O país vive uma brutal crise fiscal, estados e municípios estão quebrados, a Lei da Previdência não incluiu os professores, o Ministério da Economia acena com a ideia de desvinculação orçamentária, o novo Ministro da Educação já sinalizou que entende de limitações orçamentárias.

Depois, a política. Além de alguns poucos slogans, o Governo Bolsonaro não tem uma proposta para a educação. Na verdade, sequer deu ideia de que possui um diagnóstico. Os nomes cotados para substituir o ex-Ministro Vélez confirmam a falta de uma proposta consistente do governo para o setor. A vertente dos costumes não deu certo, a guerra cultural não teve e não terá final feliz. Restaria esperar por uma agenda ancorada na vertente liberal da proposta do governo. Se levada adiante, poderia abrir um horizonte para discutir de maneira objetiva as questões do federalismo, do financiamento e do papel estratégico do governo federal nesse novo contexto.

É a partir do contexto da economia e da política que o Ministro Weintraub irá costurar a sua agenda. Segue um mapa simplificado, um roteiro para acompanhar os desdobramentos que poderão surgir.

O primeiro passo é fazer um diagnóstico – existem vários prontos, será preciso ter tempo e humildade para ouvir. Sobre os fatos há um elevado grau de concordância entre diferentes diagnósticos. Sobre as causas há profundas divergências – predomina a ideia do diagnóstico de que tudo está bem dimensionado e todos problemas se devem a carências. Desses diagnósticos equivocados surge a ideia do “mais’, mais vagas, mais matrículas, mais tempo na escola, mais recursos, mais tudo.

Do diagnóstico (correto) sairiam propostas, que de maneira simplificada poderiam se concentrar em três agendas:  a agenda da educação básica, a agenda do ensino superior e a agenda das mudanças institucionais – na qual estaria a definição do papel e das estratégias do Governo federal.

No ensino superior há três conjuntos de questões. A primeira é entender que o mundo do trabalho mudou, profissões clássicas estão em extinção, nos países mais avançados espera-se que um profissional de nível pós-secundário passará por 10 ou mais atividades diferentes.  Nosso ensino superior está todo voltado para formar profissionais para a primeira metade do século XX. O “protocolo de Bolonha”, subscrito pela maioria dos países europeus, dá uma ideia do caminho a seguir. Nesse contexto também é necessário rever o conceito de universidades de ensino, pesquisa e extensão – poucas têm essa vocação e condição. E o custo de manter o formalismo é absurdo.

Independentemente disso, e em paralelo, é necessário repensar o estatuto das universidades e instituições federais de ensino, assegurando efetiva autonomia associada a efetivo controle, responsabilidade e responsabilização. Há ideias e modelos claros sobre o que fazer – o difícil é fazer. No setor privado, caberia desmontar todo o caro e inútil aparelho regulatório que poderia ser substituído, com maior eficácia e custo zero, por eficazes mecanismos de informação ao consumidor e à sociedade.

Restaria, nessa agenda, aprimorar os mecanismos de financiamento e crédito visando à promoção da equidade.

No ensino básico há agendas de curto, médio e longo prazo.

No curto prazo a decisão crucial é tocar o barco ou remendá-lo. A pressão para tocar o barco é enorme, mas não levará a nada. Remendar significa sobretudo consertar a BNCC. O exemplo a mão é o que fez Portugal, elaborando um novo documento intitulado “Metas” que conseguiu dar bons rumos à educação, inclusive dar um salto importante no Pisa. Daí decorreriam mudanças importantes na política do Livro Didático e, consequentemente, na avaliação. A outra agenda em andamento é a do ensino médio. As definições dadas pela nova lei não viabilizam a expansão adequada de um ensino médio profissional adequado nem equacionam de maneira adequada as vertentes do ensino médio acadêmico. A aposta no ensino de tempo integral tem pouca chance de dar resultados, além de aumentar custos.

Pensando no futuro, e nas crises fiscal, previdenciária e nas mudanças demográficas, o desafio para o governo federal no curto prazo seria estimular reformas estruturais nos estados e municípios, com foco na municipalização e adequação do ensino médio, e tendo como trunfo potencial soluções para o problema da previdência dos professores – algo que poderá custar mais de 100 bilhões de reais por ano, nos próximos 25 a 30 anos.

Se for possível equacionar e vislumbrar sobrevivência financeira para estados e municípios, restaria ao governo federal promover a transição do atual modelo ineficiente e ineficaz, o que requer estratégias em dois tempos – uma para lidar de forma adequada com a situação atual e outra para promover o longo prazo. Este, por sua vez, deve se ancorar em estratégias economicamente viáveis de atrair e manter professores de alto calibre em escolas preparadas para funcionar de maneira adequada. Ao mesmo tempo, a ideia de menos Brasília e mais Brasil precisaria ser calibrada com estratégias diferenciadas para lidar com municípios de grande, médio e pequeno porte, além da condição financeira.

Novas estratégias requerem novas estruturas – e as estruturas do MEC são inadequadas para suas funções atuais e, mais ainda, para funções como as aqui delineadas. O MEC – a existir – poderia ter uma estrutura muito mais enxuta, com ênfase na formulação de políticas, avaliação e financiamento associado à avaliação de impacto. A maioria das operações poderia deixar de existir e se substituir por instrumentos mais adequados de financiamento e/ou supervisão.

Os estudos sobre reforma educativa, no mundo, sugerem que a chance de sucesso é baixa, é preciso muito foco, pontaria e persistência para lograr resultados. Será que chegou a vez do Brasil? Ou teremos mais do mesmo, com direito a fortes emoções?

Texto originalmente publicado no blog “Educação em evidência”, na Veja.com.

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