Professor João Batista Oliveira e Bruno Ottoni, da IDados, participam de live do Valor Econômico sobre capital humano e transformações do mercado de trabalho

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Professor João Batista Oliveira e Bruno Ottoni, da IDados, participam de live do Valor Econômico sobre capital humano e transformações do mercado de trabalho

O professor João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, e o pesquisador Bruno Ottoni, da consultoria IDados, participaram neste mês de fevereiro de 2022 de uma live organizada pelo jornal Valor Econômico em que comentaram sobre a formação de capital humano no Brasil diante de um mercado de trabalho em transformação, com presença crescente da automação e da inteligência artificial.

O evento, mediado pela jornalista Lucianne Carneiro, abordou temas como a importância do desenvolvimento do capital humano para a sociedade, o papel da educação nesse contexto e as profissões que mais devem ser afetadas pelas novas tecnologias. Confira alguns trechos abaixo e a live na íntegra abaixo: 

O que é capital humano e qual sua importância para a sociedade? – Bruno Ottoni

“Em geral, é preciso pensar em duas dimensões que compõem o capital humano de uma pessoa: o conhecimento adquirido por ela a partir dos estudos e a experiência obtida no mercado de trabalho. O capital humano é acumulável. O indivíduo vai aprendendo coisas ao longo da vida. Ou seja, capital humano é quando você investe em você mesmo para que no futuro consiga um melhor resultado no mercado de trabalho. O capital humano é muito importante para o desenvolvimento econômico de um país porque é uma das dimensões que entra na produtividade do trabalhador. Quanto mais qualificação e mais capital humano um trabalhador acumula, mais produtivo ele é. Se ele é mais produtivo, vai gerar mais riqueza para o país. A produtividade é o fator principal por trás do crescimento econômico”.

Revolução Industrial 4.0: as novas tecnologias e sua relação com o mercado de trabalho – Bruno Ottoni

“Estamos vivendo uma Revolução Industrial 4.0, ou seja, o surgimento de diversas tecnologias na área da Inteligência Artificial e no campo da robótica. Essas tecnologias vão afetar o mercado de trabalho. Associamos muito a automação com a figura do robô humanoide. Mas não é isso necessariamente. Existem robôs industriais, que apresentam autonomia, mas uma grande parte tem a ver com programas de computador e Inteligência Artificial. Existem controvérsias sobre os efeitos que essas tecnologias podem ter sobre o mercado de trabalho. Porém, há economistas muito importantes que acreditam que essas novas tecnologias impactarão o mercado de trabalho com efeitos grandes nos próximos 10 a 20 anos. Especificamente, esses economistas acreditam que haverá impactos de perda de emprego e aumento da desigualdade”.

Capital humano e os novos desafios da educação em um cenário de pandemia – João Batista Oliveira

“Pensando nas questões mais relacionadas com a escola, a pandemia trouxe um atraso escolar muito grande no Brasil. Isso afetou principalmente três grupos. O primeiro é a escola pública de uma maneira geral. Ou seja, podemos observar que a camada da população mais pobre perdeu mais. O segundo grupo são os alunos que seriam alfabetizados, mas não o fizeram corretamente. Já o terceiro grupo mais penalizado são os alunos que já eram para ter sido alfabetizados. Essas são as perdas maiores do ponto de vista cognitivo. É impossível recuperar dois anos em seis meses. É preciso pensar em construir e fortalecer a base antes, não tem como acelerar a alfabetização. Quando começou a pandemia, nós, do Instituto Alfa e Beto, procuramos entender as evidências sobre pausas longas na educação. O sonho seria aproveitar esse momento de reconstrução para poder avançar, como a Europa fez depois da Segunda Guerra Mundial. O que nos ajuda? Existem algumas pequenas coisas em educação que não vão mudar. É preciso saber a língua, saber pensar, raciocinar e dominar instrumentos básicos de aritmética para lidar com as coisas e entender o mundo. É preciso entender como o mundo funciona. Ou seja, questões básicas de português, matemática e ciências não mudam, mesmo com a entrada das novas tecnologias”.

“Quanto mais capital humano acumulado, menos chance de perder o emprego para uma máquina” – Bruno Ottoni

“Quanto mais capital humano a pessoa conseguir acumular, melhor será para que ela consiguir se adaptar ao mercado de trabalho. Quando você olha para que tipo de ocupação pode sofrer mais com as novas tecnologias, existe um certo consenso de que quem tem mais capital humano está mais protegido. Tem menos chance de ver seu emprego desaparecer por conta de um robô. Na consultoria IDados, fizemos uma pesquisa inédita que diz que 58% dos brasileiros estão em ocupações com risco de desaparecer. Isso, olhando para o mercado formal e informal. Agora, quando analisamos esses dados vemos que 28% das pessoas com ensino superior estão em empregos que devem desaparecer nos próximos 10 ou 20 anos. Para ensino fundamental, esse número chega a 66,4%. Ou seja, quem tem menor qualificação tem risco muito maior de ver seu emprego sendo substituído por máquinas”.

A importância das empresas na sociedade – João Batista Oliveira

“As empresas são excelentes escolas e podem contribuir com a sociedade. Elas precisam recrutar os bons talentos. Outro ponto é pensar na diversificação. As empresas precisam recrutar pessoas com diversidade, para contemplar toda a sociedade. Isso permite que a empresa entenda melhor o mundo em que ela atua. Outro ponto é criar empresas qualificantes. Ou seja, a pessoa que entrar vai aprender no processo. Isso é importante sobretudo para o jovem-aprendiz, no primeiro emprego. As pessoas precisam aprender a trabalhar. Cada empresa presta esse serviço a si mesma e para a sociedade. Assim, o indivíduo fortalece seu capital humano”.

Avanço da tecnologia significa aumento da desigualdade? – Bruno Ottoni

“Existem evidências em países desenvolvidos de que o avanço da tecnologia aumenta a desigualdade. Há especialistas que discutem o desaparecimento de ocupações que ficavam na faixa intermediária dos salários. Isso está acontecendo principalmente com pessoas que têm ensino médio e trabalhavam em indústrias com cargos razoáveis. Essas pessoas estão vendo seus empregos serem substituídos por máquinas e estão indo para empregos na faixa debaixo da distribuição salarial. Esse pessoal não consegue disputar com alguém com ensino superior. É mais fácil disputar com alguém do ensino fundamental. Esse movimento acaba ampliando a desigualdade e piora a situação de quem tem ensino fundamental, porque ele vê uma pessoa com maior qualificação chegando para competir”.

A relação do ensino médio técnico com o desenvolvimento do capital humano – João Batista Oliveira

“O Brasil também não lidou bem com a questão do ensino médio profissional. O mercado de trabalho que existe hoje precisa de gente qualificada que não está na universidade. Hoje, temos 40% de universitários em ocupação de nível médio. O Brasil precisa entender como funciona o ensino médio profissional nos outros países. Isso é uma urgência, porque seria um sistema mais interessante para os alunos e os preparariam melhor para o mercado de trabalho. O grande salto está na base, ou seja, o professor. Só vamos melhorar a educação se conseguirmos atrair para o magistério pessoas de alto calibre. Essa é uma revolução que precisamos enfrentar. A ideia do novo ensino médio é voltar ao que tínhamos na década de 1970. Ou seja, termos opções dentro do ensino médio. O problema é que essa lei é muito antiquada. Ela amarra muito o ensino médio ao ENEM e ao vestibular. O que se quer é que o indivíduo vá para a universidade. Se ele não for, como prêmio de consolação vai fazer outra coisa. Não é assim que o ensino médio é concebido. Ele é uma vertente legítima, que não necessariamente leva para a universidade. Isso é desvalorizar e não entender o que é essa etapa da educação. Vários países têm de 40% a 60% de seus alunos em escolas específicas de ensino médio. É claro que as pessoas podem ter a opção da universidade, mas não dá para colocar todos nessa vala comum, que não dá certo. Existe preconceito contra o ensino médio técnico”.

Quais serão as profissões do futuro? – Bruno Ottoni

“É difícil projetar quais seriam as profissões do futuro, mas temos algumas regrinhas que os pesquisadores citam como importantes. Existe um estudo que mostra que existem três características de ocupações que fazem com que elas sejam menos suscetíveis a serem substituídas por máquinas. A primeira é a criatividade e originalidade da ocupação. Agora, quais são essas ocupações? Não dá para saber exatamente, mas se você está em um trabalho e entende que suas tarefas dependem fortemente de criatividade e de originalidade, muito provavelmente o risco de substituição por máquinas é menor. A segunda característica tem a ver com o envolvimento entre seres humanos. Trabalhos que envolvam habilidades socioemocionais. A inteligência artificial ainda engatinha no quesito de replicar comportamentos de outros seres humanos. Quando você lida com robôs de telemarketing, tenho certeza de que você fica frustrado! Elas não funcionam muito bem ainda. O terceiro tipo de ocupação é sobre lidar com ambientes de trabalho muito desestruturados. Por exemplo, uma empregada robô para a casa é muito difícil acontecer. Já temos robôs-aspiradores, mas eles travam, batem e não saem. É um lugar desestruturado. Isso não está no horizonte ainda”.

Quais são as políticas governamentais mais importantes sobre capital humano que deveriam estar na mira das autoridades? – João Batista Oliveira

“A política mais importante que o governo federal pode fazer é cuidar da transição entre escola e emprego. No curto prazo, pensar em como empregar as pessoas. Vinculado com essas políticas, os governantes precisam pensar na expansão brutal do ensino médio profissional. Essa é uma área que deve ser prioritária, inclusive por uma questão de equidade. A outra área em que as autoridades precisam ficar atentas é a primeira infância. As crianças que estão nascendo hoje estarão com déficits importantes em várias áreas, e sabemos que do ponto de vista do acúmulo de capital humano, esse grupo é o que mais vale a pena investir. Como temos uma população que empobreceu muito, é fundamental um olhar para cuidar de políticas eficazes de primeira infância, como a renda mínima e a assistência social de saúde. Para o longo prazo, existem três questões que devem chamar a atenção do governo nacional. A primeira é que o sistema educacional é tão bom quanto a qualidade dos professores. Precisamos criar novas carreiras, com atrativos, para atrair pessoas de alto nível para o magistério. Outro foco é o ensino superior. É preciso entender que as profissões convencionais estão acabando. Tem que desmontar essa regulamentação toda e incentivar novas formações de curta duração. Já nos governos estaduais, pensando no modelo do Ceará, é preciso estimular os municípios a melhorar a qualidade da educação”.

Quais são as políticas governamentais mais importantes sobre capital humano que devem estar na mira das autoridades? – Bruno Ottoni

“Também é preciso pensar na forma como os governos devem abordar a questão da implementação de políticas. É importante tentar se inspirar em experiências que deram certo. Às vezes, temos questões específicas que não há como copiar, mas esse é um bom caminho. Em segundo, é preciso monitorar e realizar avaliações de impacto das políticas públicas que foram implementadas. Dessa forma, você pode descobrir que uma política está dando certo, mas que algum aspecto específico está prejudicando. É possível melhorar a eficiência dessas ações. Isso vale para todas as esferas de governo”.