Um ano novo com escolas reabertas

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As escolas nunca deveriam ter sido fechadas. É o consenso de vários estudiosos de saúde mental em vários países. Os efeitos já observados e potenciais superam, de longe, os riscos – pelo menos com base no que se apurou em diversos países.

Há inúmeros estudos – especialmente em países europeus e da América do Norte – sobre o impacto do fechamento das escolas na aprendizagem. Diferentes países agiram de forma diferente. Na França, as escolas só ficaram fechadas durante 15 semanas; em outros países, quase um ano ou pouco mais.

Os resultados dos testes escolares realizados após o retorno não são uniformes. Há um pouco de tudo e é necessário cuidado para interpretar e cautela para tirar conclusões. Há alguns países em que os alunos se encontram em condições de prosseguir os estudos normalmente, sem perdas ou atrasos relevantes. Na maioria dos países para os quais existem estudos o nível de atraso varia. Um fenômeno é comum: em todos os lugares são os alunos de famílias mais pobres que terão mais desafios pela frente. Inclusive vultosas perdas financeiras associadas à possível redução dos anos de escolaridade. A produtividade dos países também fica afetada – um estudo de George Psacharopoulos estima que, em todo o mundo, as perdas atingirão trilhões de dólares. A escola tem valor, para os indivíduos e para a sociedade.

Mas não é apenas o atraso escolar que preocupa. Há diversos outros danos colaterais – e outros nem tão colaterais assim – como, por exemplo, as questões de violência doméstica que aumentam e, especialmente, a perda de hábitos de vida, em geral, e de estudo e disciplina, em particular. E, como em tudo, os mais carentes são os que mais são prejudicados nessas circunstâncias.

É impressionante a hesitação de nossas autoridades políticas e educacionais sobre o tema, até mesmo no segundo semestre de 2021. Muitos municípios custaram a acreditar na pandemia – perderam meses a fio prometendo o impossível e esperando a volta às aulas. Muitos se empenharam em fazer algo, mas nem sempre usando estratégias ou recursos adequados, o que resultou em enorme esforço e pouco resultado. E mesmo depois de tudo isso e de dois anos de pandemia, há municípios que sequer estabeleceram data para o início das aulas… E muito menos estão preparados para acolher os professores, alunos e suas famílias de maneira adequada.

Até onde sabemos, com base em testes diagnósticos realizados na volta às aulas no segundo semestre de 2021, o panorama é bastante desolador. Alunos que nunca estiveram regularmente na escola – ou seja, os alunos do 1º e 2º anos – encontram-se praticamente na estaca zero. Precisam ser alfabetizados, aprender a contar e adquirir os instrumentos básicos da aritmética. Alunos que se matriculam no 6º ano em 2022 possuem os parcos conhecimentos que adquiriam ao final do 3º ano – muitos deles sequer chegaram a se alfabetizar de maneira adequada. Níveis de fluência de leitura – que indicam a capacidade de compreender o que se lê – avançaram pouco, em cima de uma base frágil.

Reabrir as escolas e operá-las regularmente é o grande desafio para as escolas públicas – e o Poder Público tem obrigação de fazê-lo com a maior competência possível. Cabe ao Judiciário ajudar e se colocar do lado dos alunos e de suas famílias.

Além dos problemas que já existiam, as escolas precisam estar preparadas para lidar com desafios adicionais – tanto do ponto de vista de ensino quanto do ponto de vista da condição dos alunos: mais desatentos, mais ansiosos. Isso passa, mas, até passar, é preciso uma atenção e cuidados redobrados, como observado no relatório-manifesto dos especialistas em saúde.

Profissionais de saúde – especialmente médicos – estão acostumados a tomar decisões de vida ou morte. Nas situações de guerra e limitação de recursos, são obrigados a triar os que vão viver sem ajuda e os que vão morrer sem ajuda, concentrando-se nos que eles têm chance de ajudar. Não o fazem por sadismo; ao contrário, fazem-no com pesar, mas consistentes com o juramento de Hipócrates. É essa atitude que precisa ser tomada na educação.

Enquanto isso não ocorre, há um papel importante para os políticos. Eles se elegem nos municípios. É lá que as pessoas vivem. É lá que os alunos vão à escola. É preciso que a escola volte a funcionar.

Não é preciso fazer leis para isso. Basta que cada parlamentar cuide de assegurar que as escolas dos seus municípios estejam abertas e funcionando neste início de ano letivo. E que estejam preparadas para não fechar e para operar com competência, caso a situação da pandemia volte a recrudescer. Tivemos dois anos para nos preparar.

Texto original na coluna Congresso em Foco (UOL), do professor João Batista Oliveira