Quem deve cuidar das crianças?

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Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Tribuna da Bahia

Na última semana, Salvador foi anfitriã do 2º IBNequinho, associação científica que congrega um grupo muito especial de pesquisadores e cientistas, estudiosos de várias disciplinas voltadas para o desenvolvimento humano com foco na Primeira Infância. Mais de duzentos deles debateram dezenas de teses e estudos que vão ampliando as fronteiras do conhecimento sobre o desenvolvimento infantil. Uma das características do IBnequinho é reunir pesquisadores que se interessam pelas aplicações práticas da ciência, tanto para aprimorar o trabalho individual, nas clínicas, quanto para aprimorar as políticas públicas.

Quem deve cuidar das crianças? Pais? Avós? Babás? Mães crecheiras? O Governo?  Esta não é pergunta para cientistas, mas indagação de natureza filosófica e/ou política e que recebeu diferentes respostas das diferentes sociedades, ao longo do tempo. A ciência do desenvolvimento pode contribuir com elementos para o debate público. E disso se falou no IBNequinho.

Os prefeitos Júlio Lóssio, de Petrolina, e Teresa Surita, de Boa Vista, mobilizaram a atenção dos participantes ao mostrarem exemplos de alternativas de atendimento a essa faixa etária, fugindo do modelo único de creches que vem sendo estimulado e implementado a toque de caixa pelo governo federal.

No caso de Boa Vista, o que chama atenção é o atendimento integrado, que começa na prevenção da gravidez juvenil e atendimento às grávidas, e continua até a criança concluir a Pré-Escola. Como não dá para fazer tudo, a prefeitura local concentra recursos nas adolescentes e nos beneficiários do Bolsa Família. Em Petrolina a característica marcante é o envolvimento da comunidade na identificação de prioridades de atendimento, na mobilização de recursos, na liderança e na gestão das unidades de atendimento infantil.

Nos dois municípios as intervenções com pais e crianças – que incluem desenvolvimento gerencial, currículos bem definidos, programas de leitura desde o berço e treinamento dos educadores no uso de estratégias eficazes de interação – são definidas a partir de evidências científicas sobre o que é mais eficaz e pode produzir melhores resultados com menos recursos.

Há cerca de 20 anos, começaram a surgir evidências que reforçam a ideia da importância de se investir na Primeira Infância. Hoje, dispomos de um conjunto sólido de evidências que confirmam muito do que nossos avós e tias sabiam e faziam, mas também desautorizam velhas práticas, jogando luz sobre novos aspectos. A loteria que nos faz nascer numa condição e não em outra é quase determinante de nossas chances no resto da vida. Mas para os que nasceram em condições desfavoráveis, há intervenções que podem mitigar ou mesmo ajudar a superar esses desafios adicionais.

A formação de sólidos vínculos de apego com pelo menos um adulto, o desenvolvimento da linguagem e do autocontrole são três dos aspectos mais relevantes, e sobre o qual hoje já temos conhecimento e instrumentos para estimular e promover um desenvolvimento mais saudável nas crianças.

Mães e famílias saudáveis, amorosas e comprometidas continuam a ser o maior trunfo que qualquer criança recém-nascida pode almejar. À falta destas condições, diferentes formas de intervenção – inclusive junto a mães, pais e famílias carentes – podem reduzir os fatores que atrapalham o desenvolvimento e promover situações positivas. Isso foi mostrado nos exemplos de Boa Vista e Petrolina.

A grande contribuição dos estudos sobre a Primeira Infância, tais como os que foram debatidos no encontro em Salvador – é que existem diferentes soluções e que as boas soluções sempre são as mais adequadas para as diferentes circunstâncias das famílias. No caso das creches, em particular, as evidências mostram que elas só fazem efeito quando sua qualidade é excelente – e podem até ser prejudiciais quando não o são. A boa notícia é que existem alternativas – e os municípios que tiverem a audácia de promovê-las poderão melhor contribuir para o futuro de suas crianças e servir de exemplo a outros.

Salvador é um dos municípios brasileiros que vem procurando identificar modelos alternativos de atendimento.  Exemplos como os de Boa Vista e Petrolina, bem como o apoio em bases científicas sólidas poderão contribuir para oferecer soluções mais eficazes e que caibam dentro dos recursos disponíveis.