Confira a entrevista do professor João Batista Oliveira para a Rádio CBN sobre as implicações da pandemia no caso das crianças na Pré-escola ou Alfabetização

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Confira a entrevista do professor João Batista Oliveira para a Rádio CBN sobre as implicações da pandemia no caso das crianças na Pré-escola ou Alfabetização

Segue abaixo a entrevista, em formato de pingue-pongue, que a jornalista Victoria Abel fez com o professor João Batista Oliveira, no programa Show da Notícia, da rádio CBN, em rede nacional.

O tema foi a situação das milhões de crianças que estão na Pré-escola e em turmas de Alfabetização nesses tempos de escolas fechadas ou em sistema híbrido devido à pandemia de coronavírus. Vamos à conversa entre a âncora do programa e o especialista, com participação dos ouvintes da CBN:

Victoria Abel: Converso com o professor João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, sobre a situação das crianças, principalmente de Pré-Escola e do período de Alfabetização, nessa pandemia. Vamos falar de implicações no desempenho, no futuro delas. Bem-vindo e muito obrigado pelo seu tempo, professor. Como deve ficar a situação dessas crianças?

Professor João Batista Oliveira: Efetivamente, as crianças pequenas são as que mais sofrem, porque são as que têm menos autonomia para estudar. Ainda que haja algum apoio das escolas, elas não têm condições de ler e fazer as coisas sozinhas. Nem sempre os pais estão ali ao lado ou têm as habilidades necessárias para isso. Esse é o grupo que deveria merecer maior atenção. O que deve preocupar mais é que essas etapas escolares são tradicionalmente descuidadas. O que se faz na Pré-Escola no Brasil dificulta a preparação para a escola. Há quem diga que a criança deve brincar livremente. Não é isso. Tem que brincar para aprender. Com atividades intencionais. A grande lição que podemos aprender na volta à escola é a necessidade de uma revisão profunda das práticas pedagógicas na Pré-Escola e na alfabetização. Não são só as crianças do 1º ano que não estão alfabetizadas. Há contingentes enormes de crianças do 2º, 3º e 4º ano que não foram alfabetizadas por falta de práticas e políticas adequadas. Isso é que deve ser enfrentado com a maior urgência.

Victoria Abel: Podemos esperar uma espécie de reprovação em massa, no sentido de que as crianças vão ter que regredir para aprender de novo? Podemos projetar isso? Crianças aprendendo a ler em uma idade mais avançada?

Professor João Batista Oliveira: Não faz sentido em uma situação como a que vivemos reprovar ninguém. Os sistemas têm que ter a flexibilidade de repensar os anos letivos, as horas de aula, o calendário, para acomodar uma situação nova. Temos um vácuo de aulas, vamos enturmar a criança em alguma série, qual seja o nome, e vamos procurar nos próximos anos recuperar o tempo perdido. Um passo importante nas escolas e nas redes de ensino é a política de enturmação. Como vamos diagnosticar as crianças (de acordo com o seu nível de aprendizagem) e agrupá-las? Na pandemia, crianças diferentes tiveram oportunidades diferentes. Esse é um primeiro passo importante: um diagnóstico profissional, bem feito, e uma reacomodação das turmas baseada nos resultados desse diagnóstico. O foco deve ser as questões centrais de Alfabetização, Língua Portuguesa e Matemática, para que essas crianças tenham oportunidade de reencontrar sua trajetória sem maiores prejuízos ou punições como, por exemplo, a reprovação.

Victoria Abel: Podemos entender, então, que o agrupamento por idade, da série por idade, não vai fazer mais tanto sentido? Teremos que fazer um agrupamento pelo desenvolvimento que essas crianças conseguiram ter e depois retornar com o agrupamento por idade? É mais ou menos isso?

Professor João Batista Oliveira: É mais ou menos isso. Sempre vai haver, nos anos iniciais do ensino fundamental, uma coincidência muito grande (de série e idade). Na Pré-Escola, por exemplo, podemos manter pela idade. Na alfabetização, podemos colocar as crianças juntas e fazer um trabalho mais intensivo com as mais velhas ou que apresentam maiores dificuldades. Conseguimos alfabetizá-las em seis meses. Não existe dificuldade técnica para isso. Deve haver empenho das escolas e dos municípios. Trata-se de uma dificuldade gerencial de adotar práticas novas e eficazes. Com foco e competência, é possível recuperar esse tempo perdido em um prazo razoavelmente curto.

Victoria Abel: a alfabetização em seis meses seria possível também em uma escola pública com menos estrutura? Como colocar em prática um plano para alfabetizar em um período tão curto de tempo?

Professor João Batista Oliveira: O Instituto Alfa e Beto é especializado em alfabetização. Tivemos, ano passado, a convite da Rede Vida (canal aberto), a oportunidade de produzir uma série de programas de alfabetização pela TV. Agora, em 2021, já temos programas também que vão desde a Pré-escola até o 5º ano do ensino fundamental. Está disponível na TV, na Rede Vida Educação, e também na internet, no site do Instituto Alfa e Beto. Ou seja, há tecnologia e instrumentos disponíveis. O que tem que mudar são justamente os instrumentos que vêm sendo utilizados. Precisamos colocar nas escolas instrumentos que permitam aos professores – muitos deles com pouca prática – aprender a usar metodologias eficazes de alfabetização. É um problema semelhante ao da vacina, ao do tratamento para a covid. Precisamos de instrumentos e protocolos adequados para poder lidar com problemas endêmicos e gigantescos como o da alfabetização no Brasil. O que não pode é ficar repetindo práticas antigas.

Victoria Abel: Mas isso seria resolvido com novos computadores nas escolas públicas.

Professor João Batista Oliveira: Essa ideia de tecnologia é um mito. As pessoas se iludem com isso. O que você precisa ter é um programa organizado de ensino. Material didático adequado. Orientações que o professor consiga utilizar. O que chamamos de ensino estruturado. Se tem tecnologia ou não, é um detalhe absolutamente desprezível. A tecnologia eventualmente é necessária no ensino à distância. Quem não tem foi e é mais prejudico. Mesmo assim, quem não tem internet em casa pode buscar alternativas como, por exemplo, fazer o download das matérias na escola e operar off-line. A culpa não deve ser atribuída à falta da tecnologia. Hoje, temos 70 a 80% das crianças recebendo algum material. As demais – 20% a 30% – serão muito penalizadas. Entretanto, cabe perguntar: o que elas aprenderam as crianças que receberam normalmente os materiais, seja pela internet ou na escola? Quem recebeu o material físico, na escola, aprendeu igual ou mais do que quem recebeu o material por meios eletrônicos? Precisamos ver isso. Precisamos ver se quem recebeu algum material e teve acompanhamento da escola realmente aprendeu. Quem recebeu material e não teve acompanhamento, ou recebeu material de baixa qualidade, não vai aprender. Assim o que importa é a qualidade, a estrutura do material – não a tecnologia. Tecnologia é só um instrumento.

Victoria Abel: Um novo tipo de treinamento dos professores seria adequado?

Professor João Batista Oliveira: Acho que não. Com o treinamento, você não resolve a questão da formação dos professores. O que precisa ter são materiais robustos na mão deles. Materiais que eles consigam usar de maneira eficaz. Mesmo porque, não temos tempo para treinamento. Veja o caso da saúde, da covid. Você foi descobrindo os procedimentos e protocolos de forma prática. Assim foi mais eficiente, salvou mais vidas. O que precisamos ter na educação é um protocolo que inclua orientações, materiais, maneiras de fazer e gerenciamento. Dessa forma, você transforma a educação. Voltar às velhas práticas e esperar que elas vão resolver um problema muito maior é total ilusão.

Victoria AbelOs ouvintes perguntam se um número menor de alunos em sala de aula daria um tempo mais adequado para se planejar a alfabetização. Se seria melhor ter turmas menores para olhar cada aluno com maior atenção, dar uma educação mais personalizada.

Professor João Batista Oliveira: Se estivermos falando especificamente de alfabetização, minha resposta é não. Como disse antes, trata-se de uma questão técnica. Diferente, por exemplo, de aprender Língua Portuguesa ou Redação, que leva anos para aprender. Alfabetização é algo técnico e específico – tem princípio, meio e fim. Existem instrumentos e protocolos adequados para isso. Então, a questão é usar procedimentos adequados. 80%, 90% das crianças respondem bem. Obviamente, há sempre crianças com alguma dificuldade que requer tratamento especializado. Mas, em geral, o que precisamos na Pré-escola e na Alfabetização é de protocolos, instrumentos e materiais robustos. Robustos e testados, e eles existem. Cabe às redes de ensino os adotarem. Temos vários exemplos no Brasil de municípios que fazem isso com sucesso há vários anos. Isso deixou de ser mistério há muito tempo. Já existem instrumentos para que possamos resolver essa questão fundamental que é assegurar uma boa alfabetização para as nossas crianças.

Victoria AbelEu queria falar também dos prejuízos socioemocionais das crianças. De que forma a escola pode atuar nessa questão?

Professor João Batista Oliveira: Precisamos ser realistas e pragmáticos. Óbvio que o país inteiro está convulsionado. Todas as pessoas, após um ano de pandemia, estão meio inseguras. Há muitas incertezas e medos. Há perdas por todo lado. No início da pandemia, fizemos um estudo para avaliar como foi isso ao longo da História – interrupções de aula em situação de guerras, de terremotos etc. Há um contingente de pessoas menos resilientes, que sofrem mais do que outras, que sentem muito mais ansiedade e estresse. Isso afeta a aprendizagem, a atenção, a capacidade de concentração. Felizmente, a História mostra que cerca de 90% das crianças, jovens e adultos acabam superando essas dificuldades por conta própria com o tempo. Os 10% restantes em geral precisam de tratamento especializado. Não adianta querer que a escola, que mal consegue dar conta do que deveria fazer direito, que é ensinar, vá cuidar disso também. O que a escola pode fazer – e muitas estão fazendo – é acolher humanamente as crianças e as famílias. Isso pode ajudar muito. A pandemia estreitou muito a relação da escola com as famílias como nessa pandemia. Isso é muito positivo e deve ser reforçado. Por outro lado, o que pode ajudar as crianças em um momento difícil como o que estamos vivendo é voltar a ter rotina. Daí, inclusive, a importância urgente da reabertura das escolas. Nem que seja um dia por semana para estabelecer rotinas, alinhar expectativas. Isso vai ajudar as crianças a se reorganizarem emocionalmente.

Victoria AbelÉ uma conexão entre a família e a escola que precisa ser reforçada, não é?

Professor João Batista Oliveira: Exato. Nesse momento, o que a escola tem feito muito é ajudar as crianças e suas famílias a se organizarem. A escola precisa dar tarefas relevantes que a criança possa realizar com o mínimo de apoio da família. Ajudar nas atividades de rotina em casa, ir à escola em determinados dias, ter coisas em horas marcadas. Atividades físicas e estímulos cognitivos para reorganizar o dia e não ficar só esperando a vacina ou a abertura das escolas. Cada dia é um dia de atividades. É isso que dá segurança psicológica e ajuda a reforçar a resiliência das crianças.

Victoria Abel: Mesmo durante a pandemia, tentar criar uma rotina, não é? É um recado para os pais?

Professor João Batista Oliveira: Sim, isso é fundamental. Ajudar a arrumar a cozinha, varrer, brincar. O que vem antes, o que vem depois. Isso é fundamental para dar equilíbrio às pessoas a vida inteira. Isso vale para qualquer pessoa. Tem que ter rotina, expectativa. Isso organiza a nossa vida.

Ouça a entrevista completa AQUI.