Estímulos que afetam o QI: fatores cognitivos | Capítulo 9

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Terminamos o post anterior indagando sobre os fatores que afetam o desenvolvimento da inteligência. No post desta semana, trataremos dos fatores cognitivos. Na semana seguinte, tratamos dos fatores socioemocionais. E, logo em seguida, tratamos do “controle executivo” – que transforma o potencial que temos nas pessoas que somos. Mais adiante, o assunto será o impacto disso no desempenho das pessoas – na escola e na vida.

Nascemos dotados de um cérebro em desenvolvimento, que nos dá capacidade para aprender muita coisa, por exemplo, andar, falar etc. E nascemos equipados com um conjunto de sentidos que nos permite aprender sobre o mundo. A maioria dos sentidos já está totalmente desenvolvida ao nascer e os demais se consolidam até por volta do 4o mês de vida. Portanto, nesses primeiros meses de vida, é pelo uso dos sentidos (visuais, olfatórios, táteis etc.) que a criança assimila os estímulos do ambiente e os transforma em informação e aprendizagem.

A linguagem é um instrumento poderoso que viabiliza o desenvolvimento cognitivo.  A audição permite à criança ouvir sons. Aos poucos ela vai discriminando certos sons mais repetidos e acaba aprendendo que eles transmitem mensagens e significados – e assim a aprende a falar.

Aproveitamos o momento para explicar a diferença entre capacidade e habilidade. Nascemos com capacidade para aprender a falar.  Podemos adquirir a habilidade de falar Português ou Árabe – ou várias línguas dependendo do ambiente.  Essa capacidade é ilimitada – mas não é comum uma pessoa aprender mais de 3 línguas ao mesmo tempo nessa etapa da vida. A capacidade está lá, é ilimitada, mas esticar muito os limites pode causar problemas. Nem tudo que pode deve ser feito – e isso também se aplica ao limite (desconhecido) de nossas capacidades.  Toda corda tem dois lados, ela não se estica só de um deles.

A linguagem é crucial para o desenvolvimento cognitivo, pois nos permite adquirir os conceitos (vocabulário) e utilizar nosso equipamento genético para articular as palavras por meio de frases compreensíveis (sintaxe). É isso que nos permite desenvolver capacidades de abstração, de pensar em categorias (por exemplo: cachorro e gato são animais) e de pensar simbolicamente. A capacidade para pensar está lá, mas a habilidade de pensar será mais ou menos desenvolvida de acordo com suas características hereditárias, com os estímulos que recebe do ambiente e da interação com esses estímulos. Isso depende tanto das características hereditárias quanto de outros comportamentos aprendidos nessa fase inicial da vida e que dependem de características como o temperamento.

O ambiente em que a criança vive – especialmente as crianças que nascem em ambientes socioeconômicos mais desfavorecidos – pode limitar ou propiciar um maior desenvolvimento da capacidade cognitiva.

Se a criança ouve poucas palavras, interage pouco e vive num ambiente onde a sintaxe também é limitada e pobre, seu desenvolvimento linguístico – e cognitivo – pagará um preço por isso. Se a sintaxe é pobre, tornam-se pobres as conexões que ela consegue fazer. Estímulos mais pobres e limitados inibem o potencial de manifestação dos genes não apenas associados à linguagem, mas também dos genes associados ao desenvolvimento cognitivo.

Esses poucos exemplos ilustram que um ambiente adequado é a condição necessária e suficiente para a criança se desenvolver, e isso vale também para o desenvolvimento cognitivo. Mas por detrás da palavra “ambiente ou estimulação adequados” se esconde uma série de práticas importantes de estimulação que não são universais e variam muito em diferentes grupos sociais, e que podem fazer uma enorme diferença.

O impacto do ambiente sobre o aumento do QI é mais difícil de detectar em crianças com QIs mais elevados: embora saibamos que o efeito final vem da interação, nunca saberemos se esse efeito se deve a fatores genéticos que já estavam lá ou a fatores ambientais que estimularam ainda mais a criança. Para essas pessoas são outros fatores – o controle executivo e as competências socioemocionais – que podem fazer maior diferença na expressão genética dos genes.

Já para as crianças que nascem em ambientes desfavorecidos, é muito maior o impacto potencial dos efeitos ambientais. E é aí também onde é possível fazer mais diferença: intervenções são mais eficazes quando feitas pelos pais, mas também podem ser realizadas por visitadores, outros adultos ou por meio de intervenções educacionais de alta qualidade. Mesmo quando há reversão posterior do QI, como ocorre com alguma frequência, o impacto de intervenções sólidas contribui para aumentar o cabedal de instrumentos cognitivos que o indivíduo usará para o resto da vida.

Ao estudar esse fenômeno, o economista James Heckman cunhou a expressão “habilidades geram habilidades”:  habilidades são cumulativas, e quanto antes o indivíduo começa a acumulá-las, melhor será sua base, e maior retorno terão, pois o acúmulo será maior, da mesma forma que acumulamos capital num investimento financeiro. Esse ganho ocorre e permanece mesmo quando os ganhos de QI decorrentes de uma intervenção enriquecida possam retroceder quando a criança retorna a um ambiente empobrecido ou se matricula numa escola de qualidade medíocre – como não é raro acontecer.

Portanto, embora seja mais difícil e mais instável mensurar o QI de crianças muito pequenas, existem instrumentos robustos que permitem fazer medidas bastante razoáveis e que indicam forte correlação com medidas posteriores tanto de QI quanto de outras habilidades – especialmente o desempenho escolar e profissional.

No próximo capítulo…

O que são habilidades socioemocionais? Elas também afetam o uso de nossa inteligência, mas, independentemente dela, afetam muito nossa forma de ser e de lidar com nossos sentimentos, com os outros e com o mundo. Saiba mais na próxima semana.

 

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