Reforma educativa

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Do que se trata
  • Qualquer sistema educacional – como qualquer sistema social – encontra-se sempre num estado de equilíbrio entre a manutenção do status quo e as pressões internas e externas para mudar.
  • A estabilidade de um sistema educativo repousa muito mais na solidez das instituições – especialmente os valores da sociedade – do que em leis, que podem mudar mais rapidamente em função das estruturas de poder.
  • As instituições mais fundamentais de um sistema educativo incluem o entendimento e valor atribuído pela sociedade à ideia de escola e perspectivas sobre o seu papel na sociedade, o que se deve ensinar, seu funcionamento, as estruturas pertinentes ao corpo de professores, os mecanismos e papel da avaliação e as responsabilidades de governantes e cidadãos. No Brasil o grau de consenso sobre esses itens é muito baixo.
  • Dado o elevado grau de dependência da educação em relação aos professores, esses tendem a se organizar em sindicatos que podem deter consideráveis graus de poder.
  • A educação formal ministrada nas escolas possui um baixo grau de profissionalização – refletida na falta de protocolos e baixo grau de institucionalização de evidências para orientar as práticas. Por outro lado, é muito difícil introduzir mudanças que afetem o funcionamento da sala de aula – mudanças periféricas têm mais chance de prosperar.
  • Na maioria dos países a organização dos professores pode constituir importante barreira à introdução de mudanças no sistema educativo.
  • O sucesso de reformas/mudanças na educação se avalia pelo grau em que essas mudanças afetam as práticas na sala de aula e isso, por sua vez, impacta no desempenho dos alunos.
Evidências relevantes
  • Estudos relevantes como os de Larry Cuban, entre vários outros, (https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED383498.pdf, https://larrycuban.wordpress.com/2016/08/30/school-reforms-that-stick-the-center-and-periphery/ comprovam a continuidade secular do que ocorre dentro da sala de aula e a dificuldade de introduzir mudanças que afetem as práticas que ali ocorrem. Por outro lado são abundantes as mudanças que afetam a periferia da sala de aula – e algumas dessas mudanças (como a introdução da merenda escolar ou a extensão do calendário escolar) podem trazer impactos significativos nos resultados. Mudanças ocorrem, a maioria na periferia da sala de aula, algumas mudanças importantes são incorporadas, mas nunca de forma abrupta, sempre de maneira incremental.
  • É muito difícil e raro – em qualquer país do mundo e em sistemas educativos de grande porte – ocorrerem mudanças que afetem de maneira sustentada (a) o patamar de desempenho de um sistema educacional e (b) as chances de sucesso dos alunos em função de seu nível social. Isso significa que os fatores extraescolares desempenham um papel tão ou mais importante para explicar e promover o sucesso do aluno do que intervenções que ocorrem em torno ou dentro da escola.
  • Dentre os fatores intraescolares o mais relevante é o nível de qualificação do professor e, dado esse nível elevado, as condições para um trabalho efetivo – conhecidas na literatura como “clima escolar”.
  • Em todos os sistemas educativos do mundo desenvolvido há forte diversificação das trajetórias dos alunos, especialmente no nível do ensino médio. Essa diversificação decorre não apenas de fatores econômicos, mas também do reconhecimento da diversidade de esforço, talento, interesses e condição acadêmica dos indivíduos.
  • Uma revisão de reformas educativas de sucesso em todo o mundo realizada pela empresa de consultoria Mc KENZIE) 2010 McKinsey & Company report: “How the world’s most improved school systems keep getting better”: sugere que, embora raras, elas podem começar a dar resultados significativos em prazos tão curtos quanto seis a oito anos. Essas reformas possuem três características em comum: (a) forte liderança e continuidade pelo menos durante seis a oito anos (b) diagnóstico adequado e intervenções compatíveis com o nível de desenvolvimento do sistema educativo, especialmente o nível cognitivo dos professores e (c) desenvolvimento de estratégias paralelas para criação de novos modelos de funcionamento das escolas com base num corpo docente de alto nível e doses progressivas de autonomia sobre decisões pedagógicas. Embora a existência de sistemas internos e externos de avaliação não façam parte dessas características comuns a todas as reformas, em todos os sistemas escolares em que foram implementadas há um forte componente de diagnóstico baseado em algum tipo de dado relacionado ao desempenho dos alunos.
  • Nas últimas décadas tem recrudescido o tema da “formação integral”. Na sua versão mais superficial ele inclui no elenco de responsabilidades da escola o que se denomina de “habilidades socioemocionais”. Em versões mais robustas, inclusive tradicionais, ele se refere à formação plena ou formação do caráter. http://nationathope.org/report-from-the-nation/executive-summary/. Há fortes evidências de que essas características se formam e consolidam no seio da família e o maior ou menor impacto na escola ocorre quando há uma convergência entre esses mundos. Isso também sugere que intervenções precoces que sofram continuidade podem ter maior impacto – como sugerido pelos trabalhos seminais de J. Heckman.
O Instituto Alfa e Beto defende e propõe que:
  • Para promover um importante salto no desempenho escolar dos alunos uma reforma educativa no Brasil exige um movimento em dois tempos: medidas de curto prazo. medidas de longo prazo e, entre esses dois tempos, estratégias de transição.
  • No curto prazo, e nas circunstâncias atuais que o país atravessa, uma reforma educativa pode e deve ser conduzida no nível de municípios, estados ou pelo governo federal. Em todos os níveis da federação – mas dependendo em alguns casos de medidas no âmbito federal, o país poderia avançar melhor e mais rapidamente se promovesse:
    • (1) uma melhoria significativa na BNCC (Base Nacional Curricular Comum), especialmente (a) na parte da educação infantil, (b) no ensino de Língua Portuguesa e especialmente na alfabetização e na melhor estruturação e redução dos objetivos e conteúdos das demais áreas, especialmente na área de ciências .Veja mais nos capítulos 1, 2 e 4 da publicação
    • (2) condições para uma efetiva mudança na legislação que rege a diversificação do ensino médio, assegurando uma clara diferenciação entre educação acadêmica e profissional, reduzindo as cargas horárias e diversificando os exames de saída (ENEM). Veja mais nos capítulos 3 da publicação. A respeito das experiências internacionais clique aqui;
    • (3) a adoção de sistemas de ensino estruturado com base em materiais educacionais de alta qualidade para substituir os livros didáticos e orientações constantes dos respectivos manuais.
    • (4) políticas alternativas e economicamente viáveis de atendimento às famílias, especialmente no estágio pré-natal (1o filho) e primeiros anos de vida, rompendo com o modelo único de creches, sua rigidez e elevado custo. Veja alguns exemplos desses programas aqui;
  • No longo prazo, o país só poderá dar um salto de qualidade se desenvolver políticas capazes de atrair e manter jovens e profissionais altamente qualificados no magistério. Isso implica políticas adequadas de atração, recrutamento e carreiras – que podem ser permanentes e temporárias. Também implica dois outros quesitos (a) desenvolver progressivamente uma rede de escolas de alta qualidade nas quais os futuros professores possam receber sua iniciação num ambiente estimulante e com supervisão adequada e (b) desenvolver um corpo de professores-tutores altamente qualificados. A inexistência desses requisitos sugere que a estratégia só poderá funcionar se for realizada de maneira descentralizada e em localidades com condições adequadas para dar esse salto. Por outro lado, a falta de experiência com todos os aspectos dessa operação sugere a necessidade de estratégias locais e diferenciadas.
  • Para chegar ao longo prazo será necessário estabelecer estratégias intermediárias ou de transição. Essas estratégias implicam sobretudo o desmonte do aparato regulatório e legal que inviabiliza a busca de eficiência pelas redes de ensino e a adoção de estratégias que maximizem a eficiência. No caso das redes estaduais implica ainda promover a municipalização de forma ordenada e equacionar adequadamente a diferenciação do ensino médio – possivelmente com forte participação do setor privado.
  • A nível nacional, como um todo, é muito provável que o aumento do desempenho escolar possa advir da melhoria das condições de infraestrutura do país, dos serviços de atendimento médico às grávidas e famílias com crianças e programas altamente qualificados e focalizados de Primeira Infância, capazes de transformar as condições de vida e qualidade do relacionamento entre adultos e crianças nos grupos mais vulneráveis. Isso requer políticas de âmbito nacional, estadual e local e, em parte, poderia contar com a colaboração de ONGs e outras formas de voluntariado.
  • O governo federal poderia ter papel importante especialmente nas seguintes direções:
    •  Aprimorar a BNCC, tornando-a mais consistente com o estado da arte e clara o suficiente para ser entendida pelos professores.
    •  Mudar profundamente a sistemática de escolha de livros didáticos e orientações exigidas nos manuais, estimulando a produção de materiais estruturados de ensino e orientações específicas para o trabalho do professor – ao contrário do que ocorre hoje, com diretrizes que ignoram a efetiva condição de trabalho da maioria dos professores.
    •  Alterar profundamente os mecanismos de avaliação existentes
      • No caso da alfabetização, instituir uma prova a ser aplicada no final do 1o ano ou início do 2o, desenvolvida com base em critérios científicos reconhecidos.
      • Nas Provas Brasil – desenvolver indicadores mais robustos no lugar dos atuais descritores, que são muito vagos e colar a prova em conteúdos relevantes do currículo.
      • Diversificar o ENEM, para viabilizar a diversificação do Ensino Médio. Alterar e simplificar a legislação pertinente ao ensino médio.
    •  Usar seus recursos para estimular eficiência e qualidade nas redes de ensino.
    •  Promover uma profunda revisão e redução da legislação, especialmente os entraves relativos à educação infantil e às políticas relativas a professores e uso de recursos.
    •  E, mais importante, abster-se de produzir materiais didáticos “oficiais”, de criar programas nacionais, de patrocinar campeões nacionais e de outras medidas centralizadoras, incentivando a concorrência com base em evidências.
    •  Usar seus recursos para estimular eficiência e qualidade nas redes de ensino.
    •  Promover uma profunda revisão e redução da legislação, especialmente os entraves relativos à educação infantil e às políticas relativas a professores e uso de recursos.
    •  E, mais importante, abster-se de produzir materiais didáticos “oficiais”, de criar programas nacionais, de patrocinar campeões nacionais e de outras medidas centralizadoras, incentivando a concorrência com base em evidências.
Principais publicações do Instituto Alfa e Beto sobre o tema:
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