Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Valor Econômico
A presidente eleita Dilma Rousseff declarou que a Educação no Brasil está devidamente equacionada. Cabe examinar, portanto, se o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) é portador de uma agenda de futuro, levando à conquista de novos patamares. Parece que não.
Em que consiste o PDE? Em um conjunto de propostas com recursos e metas de atendimento. Engloba projetos diferenciados, que vão da construção de creches ao apoio aos alunos do ensino superior, passando por merenda, transportes, materiais didáticos, informática, escolas técnicas, cursos a distância, provinha Brasil de alfabetização, formação de professores, assistência social, assistência à saúde e educação no campo. Individualmente, os projetos podem vir a ter maior ou menor eficácia. Sua simples existência, sem dúvida, guarda méritos, pois organiza a ação do Ministério da Educação, reduz o balcão de ações pontuais e estimula um mínimo grau de planejamento pelos Estados e municípios. Mas nada garante que essas ações surtirão efeitos sistemáticos e duradouros nos fundamentos que asseguram educação com equidade e qualidade.
Cabe registrar um aspecto extremamente positivo no PDE: as metas para melhoria de qualidade, que são avaliadas por meio da Prova Brasil. Concordemos ou não com as metas, elas mexeram com o país e trouxeram transparência ao setor: agora é preciso mostrar resultados. Hoje, há pelo menos algumas dezenas – talvez centenas – de prefeitos que começam a se preocupar com as notas dos alunos nessa prova. Só isso já justificaria a passagem do ministro Fernando Haddad pelo MEC.
A observação do que vem ocorrendo desde a implementação da Prova Brasil, e especialmente as explicações que são dadas para eventuais avanços nessa prova, demonstram que ainda não aprendemos a estabelecer uma relação correta entre meios e fins. Não aprendemos a identificar as variáveis críticas que podem contribuir para colocar o país numa trajetória de qualidade. As próprias ações do Plano de Desenvolvimento a Educação reforçam a crença de que fazer alguma coisa, ou muita coisa, é melhor do que não fazer nada.
Talvez no estágio atual, em que os indicadores ainda são muito baixos, isso funcione. É o conhecido efeito Hawthorne ou efeito novidade. Um pouco de atenção e a instauração de melhorias e moralidade na gestão, com certeza, explicam alguns avanços. Mas não nos levará ao pódio.
As reformas educacionais empreendidas em outros países e a estrutura que rege o funcionamento dos sistemas de ensino com elevado desempenho educacional mostram que, para melhorar, são necessárias outras condicionantes. Algumas dessas, alvo de políticas públicas: programas de ensino claros e exequíveis, professores bem formados, meios administrativos e financeiros para a escola funcionar e avaliação externa de preferência associada a algum tipo de transparência ou incentivo. A pressão social também é outra condicionante. A cobrança social sobre a Educação é função da sociedade, e inexiste no caso da escola pública no Brasil.
Na escola, as condições dependem, fundamentalmente, do exercício da liderança pelo diretor e das consequências de sua atuação. Nos países que alcançaram ou superaram a média do PISA, que é o termômetro internacional de qualidade da educação, a educação funciona assim. E naqueles que integram esse ranking, as reformas educativas foram feitas de maneira progressiva, ao longo de décadas, começando de baixo para cima. Nenhum tentou fazer tudo ao mesmo tempo. O primeiro requisito da reforma é suprir as escolas com professores bem formados. O segundo é assegurar ao diretor da mesma os meios, a autoridade e o poder para exercer o seu trabalho – os graus de autonomia variam nos diferentes países.
A eficácia de uma reforma se mede não apenas pela média no PISA, mas pela distribuição das notas das escolas. Essa é a medida da equidade: nos países desenvolvidos, a média das escolas é bastante semelhante: isso reflete a existência de um padrão de ensino. No Brasil, a gigantesca dispersão dos resultados entre escolas públicas aponta a falência das ações empreendidas pelas redes de ensino. Ademais, em vez de pacto, temos uma bagunça federativa, em que cada nível atua diretamente na escola, mas não se compenetra das ações que lhe são próprias.
O desafio de uma reforma educativa no Brasil requer uma ação em dois tempos. De um lado, e no curto e médio prazos, são necessárias medidas para atenuar as fortes limitações gerenciais das escolas e redes de ensino, bem como as limitações ainda mais fortes decorrentes da precária formação de professores. Há medidas bem conhecidas para isso, nada a ver com o PDE. De outro, para o longo prazo, uma reforma só começará a mudar o vetor da qualidade quando o país for capaz de implementar uma política de atração e manutenção de jovens altamente qualificados no magistério.
Vale registrar que todas essas iniciativas deverão ser implementadas em contexto corroído pelas pressões corporativistas e de cunho ideológico, além de totalmente alheio às evidências científicas sobre o que efetivamente funciona em Educação. Até lá, teremos apenas remendos. Pensando bem, mesmo como remendo necessitamos de algo muito mais focado e robusto do que o que hoje existe no PDE.