Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Valor Econômico
Imagine-se diante do desafio de transformar uma instituição com as seguintes características: 200 mil unidades de produção, sendo 80 mil nas áreas urbanas; 50 milhões de clientes obrigatórios; mais de 3 milhões de funcionários de nível técnico e outros tantos de apoio, a maioria com estabilidade no emprego; gestores escolhidos por diferentes critérios, raramente pela experiência ou mérito; corporativismo exacerbado; um sistema de transporte para mais de 7 milhões de alunos/dia nas zonas rurais; um orçamento de quase 3% do PIB sob a responsabilidade de 6 mil unidades com alta rotatividade de gestores em três diferentes níveis de comando. O sistema apresenta elevada ineficiência e baixíssimo desempenho. Dá para encarar?
Estamos falando do sistema educacional no Brasil. E ninguém mais duvida que o país só conseguirá manter posição de destaque no mercado global se promover profundas mudanças na educação pública. Alguns acreditam – apesar das evidências em contrário – que trilhamos o caminho certo e que o êxito é questão de tempo. Os mais otimistas acham que em mais 15 anos chegaremos lá. Vale aqui a máxima que julga o otimista um pessimista mal informado: o tamanho e complexidade da tarefa são gigantescos.
A solução simplista é privatizar. Os argumentos são fortes: maior racionalidade, maior eficiência, as escolas particulares funcionam melhor. Isso vale na teoria; na prática, nem sempre é assim. Ademais, as escolas públicas não podem selecionar e excluir alunos da mesma forma que as particulares. Sistemas de voucher podem ter mérito, mas ressalvados importantes cuidados. Incentivos para professores podem funcionar em determinadas culturas e circunstâncias, mas estão longe de ser panaceia. Na maioria das vezes, incentivar os professores para melhorar o desempenho equivale à piada em que se cortam as pernas da pulga antes da competição para ver qual pula mais alto!
No Brasil, temos o sistema mais perverso de privatização educacional do planeta: quem paga imposto de renda recebe um valor de R$ 2,5 mil/ano para educar os filhos nas escolas particulares. É o dobro do que recebem os alunos nas escolas públicas. Os 8 anos de PT não reverteram tamanha injustiça. Mas certamente há muito que aprender do setor privado, especialmente sobre gestão.
Outro caminho consiste em tomar como referência as lições da experiência internacional. Há duas situações paradigmáticas. A primeira delas é a história da maioria dos países europeus, nos quais a educação sempre teve padrões semelhantes aos atuais, mas evoluiu de forma progressiva e meritocrática. A outra é a reforma educativa dos tigres asiáticos e de alguns países, como a Finlândia e Irlanda, que em poucas décadas conseguiram expressivos saltos de qualidade. Não há nada de extraordinário nas intervenções, exceto o cultivo da paciência e a humildade para copiar e adaptar o que deu certo em outras nações. Virtudes que nos faltam! Somos um país apressado, e quem tem pressa come cru. Outra hipótese mais próxima do raciocínio empresarial é tentar equacionar a função de produção e focalizar no chamado “ótimo de Pareto”, ou seja, nos fatores que explicam a maior parte dos resultados. Na fritada dos ovos, resultados escolares dependem do aluno e do professor.
O desempenho do aluno está fortemente relacionado a dois fatores: capacidade intelectual e esforço, que, por sua vez, decorre de variáveis sócio-emocionais adquiridas no lar. Já o sucesso do professor está associado ao conhecimento da matéria, domínio da turma e competência didática. Se ele não teve boa formação – como é o caso da maioria dos professores no país – precisará de apoio para ensinar de forma eficaz, apesar de suas limitações. Esse apoio inclui o uso de estratégias e materiais estruturados e gestão centrada na consecução dos resultados.
Alterar essas variáveis não é trivial; se fosse, alguém já teria feito. Otimizar a função de produção da unidade escolar requer medidas que envolvem mudanças nas políticas educacionais, pedagogia e gestão. No âmbito das políticas educacionais, a melhoria da qualidade e também da eficiência requerem clareza nas atribuições dos três níveis da Federação e clarividência, no nível federal, para fazer o que é essencial, de forma consistente, e deixar de fazer o acessório. Além da revisão do Pacto Federativo, requer uma política vigorosa para a primeira infância, focalizada na metade mais pobre da população, que hoje já chega à escola em situação desvantajosa. E também requer política para atrair ao magistério alunos situados entre os 25% melhores de cada geração de egressos do ensino superior. No dia em que isso começar a funcionar, vamos precisar de uns 20 a 30 anos para sentir os efeitos de maneira significativa. Até lá, serão necessários paliativos, indicados a seguir.
O âmbito pedagógico equivale ao âmbito da tecnologia nas empresas. Como a maioria dos professores existentes não possui formação adequada, é necessário explicitar os limites de sua autonomia e proporcionar instrumentos pedagógicos adequados e de efetividade comprovada. Isso nada tem a ver com projetos mirabolantes de computadores ou sofisticados laboratórios. Nem com capacitações ad hoc.
No âmbito gerencial, trata-se de criar condições para fazer a escola funcionar. Para isso são necessárias duas medidas radicais. A primeira é reorientar a função das Secretarias de Educação, que deve ser a de criar condições e regras adequadas para fazer a escola operar. A segunda consiste em profissionalizar a gestão escolar.
Na história da educação, reforma, mudança e inovação são conceitos não necessariamente relacionados com melhoria. São inúmeras as tentativas e poucos os casos de sucesso, pois a maioria das mudanças ignora as evidências sobre o que funciona realmente e prefere reinventar a roda. Ou se limitam a intervenção em fatores isolados. O Brasil ainda não encontrou o seu caminho. Quando isso acontecer, dependerá do carisma extraordinário de uma liderança capaz de sacudir a inércia, desmontar o corporativismo e corrigir os rumos. Candidatos?