Ensino da Matemática

O que os alunos de matemática precisam compreender e fazer? Tradicionalmente a ênfase do ensino nas séries iniciais do Ensino Fundamental foi dada ao domínio de operações e, em menor medida, à solução de problemas.

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O que significa saber matemática

Saber matemática significa dominar vários processos mentais e práticas envolvidas na aprendizagem da matemática. Saber matemática pode envolver competências específicas como comparar, identificar o valor de cifras, realizar cálculo mental, conhecer e saber usar adequadamente técnicas operatórias, verificar a natureza de uma figura geométrica, etc. Em um nível mais elaborado, saber matemática implica o domínio dos cinco elementos abaixo (Wu, 2012).

  • Precisão. A matemática é clara e precisa. Isso não significa apenas acertar a resposta. As demonstrações em matemática também precisam ser claras e precisas. Saber matemática significa usar definições claras, entender e explicar o sentido dos sinais, símbolos e fórmulas usadas, anotar devidamente os títulos e nomes que constam de uma tabela, expressar uma resposta com precisão adequada ao problema.
  • Definição. As definições constituem o alicerce da matemática. Sem definição não existe matemática. Elas são o alicerce que sustenta o raciocínio.
  • Raciocínio. O raciocínio é o motor que impulsiona a solução de problemas. Raciocinar implica analisar os dados, as coerções, relações e o objetivo. Raciocinar é fazer conjecturas sobre o problema, possíveis soluções e estratégias. Significa entender as quantidades e suas relações num problema dado, e não se limita a fazer cálculos. Portanto, raciocinar requer que o aluno descontextualize, ou seja, seja capaz de abstrair uma situação para poder representá-la simbolicamente, mas ao mesmo tempo seja capaz de contextualizar os dados obtidos num problema concreto. Saber usar símbolos e abstrações é parte essencial da aprendizagem da matemática.
  • Coerência. O aluno aprende matemática quando é capaz de entender a relação entre os vários conceitos e habilidades como se fossem parte de uma mesmo tabuleiro e não como assuntos ou entidades isoladas.
  • Intencionalidade. O aluno sabe matemática quando compreende o objetivo de cada conceito e seu lugar no contexto da matemática. Ou seja, a matemática não consiste num conjunto de truques, mas cada formula é parte de um objetivo que permite a compreensão de um todo cada vez mais complexo.

Essas características não são independentes umas das outras. Sem definições não haveria razão e sem raciocínio não haveria coerência para falar. No entanto, elas foram listadas separadamente apenas por uma questão de referência para facilitar a compreensão.

Níveis de conhecimento matemático: os três passos fundamentais

O processo da aprendizagem da matemática envolve três passos de complexidade cognitiva crescente: do familiar para a representação simbólica e desta para a abstração.

O nível familiar é o nível do exemplo. As evidências sugerem que é mais eficaz para a aprendizagem dar exemplos familiares (fazer troco, medir superfícies conhecidas) do que fazer manipulação concreta de objetos ou usar joguinhos interessantes para motivar os alunos. Manipulação concreta é essencial, mas apenas nos primeiros estágios da contagem dos números, do entendimento do funcionamento do SND ou de uma fração como parte de um todo. Os exemplos, no entanto, devem ser tão simples quanto possível, especialmente no que se refere à linguagem adotada, para que o aluno não se perca no entendimento do enunciado (Fayol, 2010).Exemplo de enunciado mais difícil de entender: Numa turma de 30 alunos 20 deles são meninos. Que parte da turma representam os meninos?
A razão da dificuldade da pergunta é a expectativa de que a criança vá resolver tudo de uma única vez. O ideal é propor a situação em etapas mais simples, tornando a solução final mais fácil.
Exemplo de enunciado mais fácil de entender: Que parte de uma turma de 30 alunos uma criança representa? E 20 crianças?
A primeira etapa: uma parte de 30 é 1/30.
A segunda etapa: Sendo assim que parte da turma representam 20 crianças? 20/30 ou simplificadamente 2/3.  Fonte: Fayol (2010).
  • O nível simbólico revela a capacidade do aluno “equacionar” um problema usando linguagem matemática. No nível mais elementar o aluno usa símbolos como uma sentença matemática 2 + 3 = 5; os símbolos < ou > entre dois números ou 2/4 para representar uma fração. Uma forma relativamente mais sofisticada de representação simbólica consiste em colocar números entre parênteses ou colchetes para indicar a ordem ou precedência de uma sequência de operações. Representar números ou relações entre números na reta numerada constitui um nível mais elevado de representação simbólica. A reta numerada é um instrumento importante pois permite ao aluno representar nela praticamente todos os conteúdos estudados nas séries iniciais, e, dessa forma, melhor perceber a relação entre os vários assuntos estudados.
  • O nível abstrato é o ponto inicial do raciocínio matemático, e nele reside o verdadeiro conhecimento. O aluno abstrai quando é capaz de entender, explicitar e aplicar corretamente, por exemplo, a propriedade comutativa da adição para resolver um problema, ou quando é capaz de explicar as varias ideias contidas no conceito de subtração e de apresentá-las em situações-problema.

Referenciais internacionais para estabelecer currículos de matemática

Nos últimos anos foram feitos importantes avanços tanto no conhecimento sobre a aprendizagem da matemática, quanto na elaboração e implementação de novos programas de ensino de matemática. Isso decorre dos avanços das neurociências e psicologia cognitiva, de um lado, e das pressões decorrentes das comparações internacionais de desempenho acadêmico entre vários países. Inúmeros estudos, relatórios e revisões da literatura científica sobre aprendizagem e ensino de matemática foram produzidos em vários países (NSF, Geary, Laforgue, Crato, Aharoni, Ma, Wu). Estudos também foram elaborados a partir dos relatórios do TIMMS (Third International Mathematics and Science Study) e estimularam diferentes países a compararem e atualizarem seus programas de ensino (Schmidt, Houang e Shandrani, 2009). A liderança de países asiáticos no desempenho de matemática, como Japão, Coréia, partes da China e notadamente Cingapura, tornou suas propostas e materiais como um “benchmark” na área (Schmidt, 2012). Mais recentemente, como resultado de quase uma década de idas e vindas, mais de 40 dos 50 estados federados norte-americanos aderiram a um currículo denominado “Common Core State Standards”. Também constituem referências interessantes os programas de ensino da França , da província de British Columbia, no Canadá, e as recomendações programáticas do Ministério da Educação da Rússia (Toom, 2010). A presente proposta se inspira nesses documentos, mas também leva em conta as prescrições dos PCNs – os Parâmetros Curriculares Nacionais referentes ao ensino da matemática, embora essas careçam de uma profunda atualização e ajuste face ao avanço do conhecimento e aos novos “benchmarks” estabelecidos pelos países mais avançados no tema.
Foco, rigor e coerência no ensino da matemática
Mais do que em outras disciplinas, o ensino da matemática requer foco, rigor e coerência, tendo em vista a natureza estruturada da matemática.

  • Foco significa delimitar o número de tópicos ensinados a cada ano, de forma a concentrar no essencial e assegurar a plena aprendizagem dos mesmos antes de passar para a etapa seguinte.
  • Rigor significa especificar com clareza o que deve ser ensinado a cada série, de forma que o aluno progrida com segurança.
  • Coerência refere-se à articulação do programa entre as diversas séries, de forma que a sequência de tópicos seja apresentada de maneira lógica e consistente com a estrutura da matemática.

O que ensinar: operações, conceitos e solução de problemas 

O que os alunos de matemática precisam compreender e fazer? Tradicionalmente a ênfase do ensino nas séries iniciais do Ensino Fundamental foi dada ao domínio de operações e, em menor medida, à solução de problemas. As evidências sobre a aprendizagem de matemática sugerem que os três pilares do currículo da matemática – operações, conceitos e solução de problemas devem ser ensinados e aprendidos ao mesmo tempo.

  • Operações. Os estudos da psicologia cognitiva demonstram que a memorização dos fatos fundamentais (tabuada) e a automatização no uso dos algoritmos é essencial para liberar a memória de curto prazo. Essas competências são adquiridas com maior rapidez e facilidade, e permitem a apreensão de conceitos e ajudam na resolução de problemas. Mas para isso precisam ser aprendidas em referência às demais, embora sejam dominadas mais rapidamente.
  • Conceitos. Os conceitos matemáticos são abstratos e complexos, e sua plena compreensão se dá, quase sempre, aprendendo tópicos mais avançados. O entendimento do Sistema de Numeração Decimal, por exemplo, requer aprender a fazer cálculos em outros sistemas que não tenham a base 10. Outro exemplo: o entendimento do alcance da propriedade comutativa da adição só se torna mais claro quando se começa a lidar com números negativos. O domínio profundo de um conceito, no entanto, é progressivo e leva mais tempo, ao passo que a aprendizagem e domínio de algoritmos e operações pode ser aprendido muito mais rapidamente (Geary, 2006).
  • Resolução de problemas. A resolução de problemas é um dos capítulos mais controversos, e mais importantes, no ensino da matemática. Há mesmo quem afirme que tudo na matemática consiste em resolver problemas cada vez mais complexos (Wu, 2012). Andrei Toom (op. cit) observa que autores como o russo Perelman apresenta em seu livro os tópicos da matemática ordenados por problemas. A importância dos problemas como um tópico do ensino da matemática sempre foi reconhecida. A controvérsia se deu nos últimos anos, em função de uma ênfase, que se provou inadequada e exagerada, na contextualização e no conceito de “problemas concretos”. Tradicionalmente se distinguem exercícios, ou problemas não verbais e problemas verbais. Exercícios, ou problemas verbais, são problemas que incluem apenas notações e fórmulas matemáticas e algumas frases matemáticas como ”efetue” ou “resolva a equação”. Eles têm como objetivo principal praticar os conhecimentos e domínio das operações. Problemas verbais contêm palavras que não constituem termos matemáticos, mas que precisam ser interpretadas matematicamente. Eles podem referir-se a situações familiares (por exemplo: havia dois pássaros no poste, chegaram mais cinco, quantos pássaros tem agora?), exercícios com troco (por exemplo: Pedro tinha economizado 20 reais e ganhou mais 15 reais. Quanto Pedro tem agora?), exercícios com informações realistas (por exemplo: a inflação subiu 10% no mês de setembro. Pedro, que é trabalhador e vive de seu salário, terá de pagar 10% a mais de juros em sua prestação da casa própria, que é de 345,65 reais. Quanto Pedro pagará a mais aos banqueiros, a partir de outubro)? Nas séries iniciais, os problemas são aritméticos, pois podem sem resolvidos sem álgebra. O nível de dificuldade desses problemas se refere ao número de passos envolvidos na solução. Quando chega à álgebra, os alunos já possuem competências matemáticas que os ajudam a avançar.
Toom (2010) ilustra a importância dos problemas verbais com uma elegante metáfora: a finalidade dos problemas é menos a de ginástica mental e mais a de “atribuir significados matemáticos, ou seja, utilizar objetos concretos adequados para representar ou reificar noções matemáticas abstratas. Como os animais nas fábulas, a expressão ‘objetos reais’ não deve ser tomada ao pé da letra. São alegorias ou blocos de construção mental ou reificações que preparam o caminho das crianças para as abstrações (p. 90). (…) Um problema verbal não deve imitar a realidade em todos os pormenores. Deverá ser tão estético como uma obra de arte. Consideremos a fábula de Esopo ‘O corvo e a raposa’. Por um lado, usa imagens familiares a todas as crianças. Por outro lado, é despida de todos os pormenores irrelevantes.”

Referências básicas

Dehaene, S. (2007) La bosse des maths. Paris: Odile Jacob Fayol, M. (2010). Fazer contas ajuda a pensar? Lisboa: Fundação Francismo Manuel dos Santos/Porto Editora, 2010, p. 9-43

Geary, D.C. (2006). Development of mathematical understanding. In D. Kuhn, R.S.Siegler (Eds.) Cognition, perception and language. Vol 2 pp 777-810 in W.Damon (Ed. Geral) Handbook of child psychology (6a. edição). N. Y.:John Willey & Sons, 2006

National Research Council (2009). Mathematics learning in early childhood. Washington, C.D. National Research Council, 2009.

Oliveira, J. B. A. (org) (2012). Ensino de Matemática nas séries iniciais – III Seminário Internacional do IAB. Brasilia: Instituto Alfa e Beto.
Schmidt, W.H.; Houang, R. Shankrani, S. (2009) International lessons about national standards. Washington DC: Thomas B. Fordham Institute, 2009

Wu, H. (2012). A matemática que os professores das primeiras séries precisam conhecer. In J.B.A. Oliveira (org.) Ensino de Matemática nas séries iniciais – III Seminário Internacional do IAB. Brasilia: Instituto Alfa e Beto.

O que o Instituto Alfa e Beto oferece:

Programa Alfa e Beto de Matemática:
Coleção Matemática para Pais e Professores:
O Ensino da Matemática nas Séries Iniciais:
Tabuada na Fazenda:

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