Melhores redes de ensino seguem um roteiro: o currículo escolar

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Escola emocional

Há seis anos, as escolas públicas da cidade de Pedra Branca, a 263 quilômetros de Fortaleza, em pleno sertão cearense, apareciam entre as 150 piores do Estado, segundo o Spaece, sistema de avaliação utilizado pelo governo para monitorar as unidades de ensino básico. “Cada escola ensinava o que queria, e os professores não conversavam entre si. Algumas unidades apresentava o básico, outras iam além”, conta Lucineide Alves Monteiro, diretora da escola municipal Lourenço Marques de Mesquita, situada no Sítio Novo, zona rural de Pedra Branca — a unidade obteve o desempenho mais baixo no exame de 2008. Para mudar a situação, o município decidiu, entre outras ações, rever os conteúdos que eram apresentados aos alunos. Em 2009, os professores passaram a escolher, junto com colegas de outras escolas, os livros que seriam usados em todas as séries e disciplinas, material que serviu de base para a criação do currículo escolar da cidade. Em 2013, todas as escolas saíram do grupo de atenção e nove passaram a figurar entre as 150 melhores do Ceará, incluindo a Lourenço Marques de Mesquita, campeã da cidade.

As redes municipais de ensino das seis cidades visitadas pela reportagem de VEJA.com para esta série sobre as melhores redes públicas brasileiras possuem um currículo. “O currículo nada mais é que a definição dos temas que serão ensinados aos estudantes enquanto eles estiverem na escola. Sem ele, não há como medir a qualidade do ensino”, diz João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto. No Brasil, não há um currículo nacional estabelecido: cada rede de ensino define sua matriz de conteúdos. Sendo assim, a tarefa cabe às secretarias de Educação. Na rede municipal — responsável por 57% das matrículas do ensino público no país —, os melhores resultados são obtidos pelas cidades cujas secretarias oferecem currículos estruturados aos professores de todas as séries.

Em Pedra Branca, os professores se reúnem quinzenalmente para definir o que ensinar aos alunos com base nos livros didáticos escolhidos. “Os professores sabem o que deve ser ensinado aos alunos, mas têm liberdade para pensar em métodos de ensino e também acrescentar material extra quando acharem necessário”, explica Lucineide. As melhores práticas são apresentadas aos demais professores da cidade e de outras redes de ensino do Estado. Nesse caso, o currículo funciona como o edital de um concurso público, que aponta o que o candidato tem que saber para participar da prova. Com base no edital, são elaboradas apostilas, cursos preparatórios, aulas e métodos de ensino. Mas a base do que o candidato tem que saber para concorrer já está definida.

Para especialistas, o currículo é considerado um dos principais ingredientes das melhores redes de ensino. “Todos os países que obtêm nota acima da média no Pisa possuem currículo escolar”, diz Oliveira. O Pisa é a mais importante avaliação educacional do mundo. Aplicado a cada dois anos, ele mede a qualidade do ensino oferecido a alunos com 15 anos de idade em 34 nações, incluindo as mais desenvolvidas do planeta e também o Brasil.

A importância do currículo para a educação também foi comprovada pelo pesquisador William Schmidt, doutor pela Universidade de Chicago. Em um estudo realizado com alunos do ensino básico, Schmidt constatou que, se um conteúdo consta do currículo da escola, os alunos vão aprendê-lo — caso contrário, correm o risco de nunca virem a saber do que se trata.

Definir o material didático que servirá de base para o currículo também é tarefa da secretária de Educação. Há aquelas que optam por usar livros didáticos fornecidos pelo governo federal, caso de Pedra Branca. Outras, como Vinhedo, a 67 quilômetros de São Paulo, criam grupos de professores para montar o currículo no início do ano letivo, com base nas demandas apresentadas pelos demais docentes. Em outras ainda, como Cosmópolis, a 140 quilômetros da capital paulista, a escolha da rede é usar material apostilado. “Não há consenso sobre o modelo mais adequado. Certo é que a escolha de um currículo deve estar vinculada à visão do papel da educação e do professor na melhoria da qualidade do ensino”, diz Paula Louzano, docente da Universidade de São Paulo (USP).

Em Cosmópolis, o material apostilado foi a opção encontrada para nivelar o ensino da rede. “Recebemos professores recém-formados que tinham pouco ou nenhum conhecimento de como estruturar uma aula com todos os conteúdos que devem ser ensinados. A apostila é o fio condutor do trabalho”, diz o secretário de Educação, Paulo Alves Pereira. Com cursos de atualização on-line, os professores aprendem a usar o material e, nas escolas, trocam experiências para melhorar o uso em sala. “Nós usamos a apostila para dar norte ao trabalho e acrescentamos outras atividades, sempre apontando o que é prioritário”, diz Maria Cristina Peretti, diretora da escola Rodrigo Octavio Langaard Menezes, a mais antiga da cidade de 58.800 habitantes.

A adoção de um currículo escolar (e o modo como ele é usado no dia a dia) é um dos pontos analisados pelo Prêmio Prefeito Nota 10, que será oferecido neste ano pelo Instituto Alfa e Beto a partir dos resultados da Prova Brasil 2013. O prêmio considera as cidades que conseguiram melhorar a nota de todas as escolas na Prova Brasil, exame do governo federal que afere o nível de ensino de matemática e língua portuguesa no 5º e no 9º ano do ensino fundamental. O resultado da premiação será divulgado ainda neste ano.