Este artigo foi publicado no jornal Valor Econômico.
Como em diversas outras áreas, será inevitável enfrentar cortes na educação. Em vez dos tradicionais cortes lineares, seria mais sensato aproveitar a ocasião para repensar o financiamento da educação. Contamos com dois fatores favoráveis: demografia estável, num patamar inferior ao das últimas décadas, e espaço para urbanização no Norte e Nordeste. Há um gigantesco potencial para reduzir ineficiências por meio de políticas e reformas estruturais. Resumo brevemente aqui reflexões retiradas do meu livro “Repensando a Educação Brasileira“, que continuam oportunas.
Comecemos pelo mais polêmico, o ensino superior. São 7,8 milhões de alunos, dos quais 2 milhões na rede pública. Com as coortes se estabilizando em torno de 2,8 milhões, isso representa uma taxa bruta de quase 70%, uma das mais elevadas do mundo. O custo médio na rede pública é de R$ 21 mil (valores de 2013), quatro vezes superior ao dos alunos da educação básica. Só o ensino superior público destinado a 4% da população estudantil representa mais de 20% do total de recursos públicos investidos em educação – sem contar o Prouni e o Fies.
No ensino médio as distorções são igualmente gigantescas. O erro de base está no modelo único – a exigência de que todos alunos concluam o ensino acadêmico para cursar o ensino técnico – de maneira concomitante ou sequencial. O índice de perdas é superior a 40%; o de aproveitamento, baixíssimo. As escolas técnicas federais, com excelente qualidade e custo astronômico, não cumprem a função de formar técnicos para o setor produtivo. O Pronatec é um caso comprovado de perda total – a crônica de uma morte anunciada. O Sistema S não é parte do problema e poderia ser parte da solução, como veremos adiante.
No ensino fundamental evidenciam-se três problemas. Um é a duplicidade de redes que persiste e gera ineficiências gigantescas na otimização da infraestrutura escolar e do uso do plantel de professores. Outro, o excesso de professores em relação ao número de turmas, o que comprime os salários. O terceiro – compartilhado com o ensino médio – é a legislação federal sobre piso salarial e estatuto do magistério, que inviabiliza as finanças estaduais e municipais, inibe a eficiência e aniquila a federação.
Na educação infantil a opção preferencial do MEC pelo modelo de creches vinculado a um modelo arquitetônico rígido, de um lado, e à estrutura do magistério, de outro, gera custos insuportáveis e inibe tanto a expansão quanto a oferta de mecanismos alternativos de atendimento.
Distorções adicionais são criadas pela forma de atuação do MEC que, em vez de estabelecer políticas e usar recursos para estimular a inovação, especializou-se na criação de programas efêmeros e ineficazes, quase todos envolvendo bolsas.
Sem passar pela análise das causas, por limitação de espaço, vamos à sugestão de algumas saídas. Comecemos de baixo para cima.
Na educação infantil (zero a quatro anos) a grande mudança seria estimular mecanismos alternativos de provisão de atendimento pelas prefeituras. Há inúmeros modelos devidamente avaliados que poderiam ser objeto de cofinanciamento em bases competitivas, programas de parentalidade, visitação familiar, mães crecheiras e tantos outros.
No ensino fundamental há enorme espaço para aprimorar os mecanismos de financiamento e do federalismo. Por exemplo, o governo federal poderia estimular os Estados a concluir a municipalização, atrelada a um compromisso em assumir o novo ensino médio. Já o financiamento aos municípios poderia estar vinculado à população (vs. matrícula) e a ganhos de eficiência. A criação de um Simples da Educação, para municípios com menos de 20 mil habitantes e com arrecadação insuficiente, poderia inaugurar um novo capítulo na história da desburocratização e do federalismo.
No ensino médio caberiam dois movimentos. O primeiro é regulatório: diversificar o ensino médio. Uma vez diversificado, o governo estadual ficaria responsável pela vertente acadêmica e o Sistema S poderia cuidar, com extrema competência, da profissionalizante. Faríamos mais e muito melhor com menos recursos.
No bojo dessas mudanças, o governo federal promoveria um salto de qualidade na questão do magistério e atacaria ao mesmo tempo a eficiência e a qualidade da educação básica, estimulando a criação de novas carreiras de magistério de elevado padrão, novos mecanismos de formação de professores, cofinanciando Estados e municípios que quisessem participar. O perfil demográfico dos atuais professores e o número expressivo de não-efetivos torna economicamente viável a implementação de programas de transição.
No ensino superior há um território aberto para profundas mudanças – economias gigantescas poderiam advir de simplificação do marco institucional e regulatório – a começar pela redução do número de disciplinas e cargas horárias. Nas instituições federais, o financiamento estaria atrelado à qualidade e eficiência, e os alunos carentes poderiam se beneficiar do Fies, que seria parcialmente financiado com cobrança de matrículas. Nas privadas, os mecanismos do Prouni e Fies – depois de revistos, inclusive no que diz respeito às garantias – seriam direcionados para financiar alunos de elevado desempenho acadêmico, com prioridade para os carentes e, eventualmente, para direcionar, em caráter temporário, a demanda para determinados cursos.
O governo está diante de oportunidade ímpar de fazer uma revolução no ordenamento federativo e no financiamento da educação. Dificilmente o MEC sozinho terá força para alavancar as mudanças, mas poderá fazê-lo se devidamente estimulado pela área econômica ou forçado pela realidade dos fatos. A chance está na crise e é imperdível!