Prova Brasil em tempos de Bolsonaro

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João Batista Oliveira participa nesta terça, 2 de junho, de evento on-line sobre alfabetização promovido pela Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN)

Os resultados e a forma de anúncio da Prova Brasil deixam claro que nada mudou em relação ao desempenho do ensino. As variações das notas nas séries iniciais e finais do ensino fundamental não possuem um significado estatístico ou educacional relevante. No ensino médio, o aumento inesperado de 8,2 pontos em Matemática e 12 pontos em Língua Portuguesa ficará à espera de explicação.

Mas também nada mudou no que se refere ao entendimento da função da avaliação para a tomada de decisões na educação. O MEC optou por elaborar um relatório de 80 páginas apenas com base no IDEB – e não nas notas da Prova Brasil. Ora, como todos sabem ou já deveriam saber a essa altura, o IDEB é uma medida que mistura dois ingredientes: notas e índice de aprovação. Um mesmo IDEB pode revelar uma situação totalmente diferente, tornando o IDEB um dado de pouca ou nenhuma utilidade.

Ademais, como o próprio relatório permite observar, a melhoria de notas atribuída a mudanças nos critérios de promoção praticamente se esgotou nas séries iniciais. Daqui para frente, só aumenta o IDEB quem melhorar a nota na Prova Brasil. Ou seja: somente agora as pessoas talvez comecem a prestar atenção nas notas da prova, e não no IDEB.

Ainda sobre o IDEB: o relatório demonstra que 60% dos municípios brasileiros atingiram a meta para a rede pública nas séries iniciais. Mas, se adotarmos um outro critério do MEC, que é o nível de proficiência, veremos que 50% dos alunos das séries iniciais não dominam o básico. Ou seja: as metas são pífias. Atingir metas do IDEB não possui qualquer significado educacional. Mas o MEC continua insistindo no IDEB, o que demonstra que nada mudou sobre o entendimento da educação e dos usos da avaliação.

Prova Brasil é oportunidade para refletir sobre os rumos da educação. Em um quadro de desempenho pífio, as diferenças entre redes públicas e privadas permanecem gritantes. O desempenho médio de um aluno de 9º ano das redes públicas é próximo do desempenho médio de um aluno de escola privada no 5º ano. O ensino médio público, com sua equivocada concepção, contribui para destruir qualquer possibilidade mais significativa de inserção social dos jovens na escola, no mercado de trabalho e na vida.

Segue abaixo uma análise preliminar mais detalhada:

  1. Resultados da Prova Brasil: o que chama atenção
  • Conforme é normal se esperar, não houve avanços significativos nas notas das redes públicas nas séries iniciais e finais.  
  • No ensino médio houve um ganho de 8.2 pontos em Matemática, de um total de 9,1 pontos ganhos desde 2005.
  • Consideramos apenas os ganhos em Matemática porque:
    • São mais diretamente associados ao impacto das escolas
    • A longo prazo há uma forte correlação entre as notas de LP e Matemática.
  1. Os ganhos no Ensino Médio:
  • Chama atenção o aumento da nota no ensino médio – próximo de 8 pontos em MAT para a maioria das regiões, exceto no Norte. 
  • É um aumento robusto – mas difícil de ser explicado, especialmente tendo em vista:
  • a estagnação dos resultados do 9º ano ao longo do tempo
  • a inexistência de qualquer política concertada – nos vários estados
  • a nota do Brasil no Pisa, que cresceu 7 pontos entre 2015 e 2018, sendo que no Pisa o desvio padrão é de 100 pontos. Isso sugere cautela na interpretação de um aumento de 8 pontos na Prova Brasil, cujo desvio padrão é de 50 pontos.
  • Destaques: 
    •  Pernambuco, DF, Santa Catarina e Paraná tiveram ganhos entre 12 e 14 pontos
      • Pernambuco
        • A rede privada aumentou 13 pontos
        • A rede pública aumentou 14 pontos
  • Santa Catarina
    • A rede privada aumentou somente 3 pontos
    • A rede pública aumentou 13 pontos
  • Paraná 
    • Aumento de19 pontos na rede privada
    • Aumento 12 pontos na rede estadual 
  • DF
    • A rede privada aumentou 5 pontos
    • A rede pública aumentou 13 pontos 
  • Mesmo nesses estados em destaque, a diferença entre redes públicas e privadas é de cerca de 70 pontos.  
  1. Outros pontos relevantes:
  • Séries iniciais: 
    • O aumento médio foi de 3,8 pontos. 
    • O ritmo de aumento que vinha se verificando nos anos anteriores perdeu fôlego em relação ao biênio anterior – exceto no Nordeste, onde o aumento na rede pública foi de 7 pontos.
    • Ceará perdeu fôlego no ritmo de aumento, mas ocupa o 6º lugar no ranking nacional.
    • Os estados que mais tiveram aumento foram Piauí e Alagoas com 9 pontos – ambos ainda se encontram entre os 10 estados com pior desempenho. 
  • Anos finais: 
    • O aumento médio foi de 4,5 pontos, expressivo face a lenta progresso desde 2005.
    • Praticamente não houve mudança significativa em nenhuma região.  
    • Alguns estados cresceram bem acima da média nacional, com destaque para o estado do Ceará que cresceu 7 pontos e passa a ser o 3° estado com maior média.
  1. Permanecem gigantescas as diferenças entre as redes públicas e privadas e entre as regiões, conforme ilustrado no quadro abaixo:

Dados da Prova Brasil de 2019

  Séries Iniciais Séries finais Ensino Médio
Redes públicas – BR 218,9 253,2 266,2
Redes privadas – BR 251,0 300,8 331,2
  • O quadro acima mostra que:
    • O desempenho médio de um aluno do 9º ano da rede pública equivale ao desempenho médio de um aluno do 5º ano da rede privada
    • O desempenho médio de um aluno do ensino médio da rede pública situa-se próximo ao de um aluno das séries finais da mesma rede pública e pouco acima do desempenho médio de um aluno de 5º ano das redes privadas.
  • Esta situação repete-se em praticamente todas as unidades da Federação.
    • A pior rede privada de ensino (Sergipe) atinge 238 pontos nas séries iniciais, resultado ultrapassado por apenas 2 redes públicas (SP e Paraná)
    • A pior rede privada de ensino (Amapá) atinge 285 pontos nas séries finais, a melhor rede pública de ensino atinge apenas 269.

RESULTADOS E DESTAQUES NAS DIFERENTES REGIÕES

Séries iniciais:

  • Norte:
    • Aumento médio de 3 pontos em Matemática
    • Rondônia, Pará, Amapá aumentaram entre 5 e 7 pontos
  • Nordeste: 
    • aumentos de 7 a 9 pontos em Matemática
    • Piauí e Alagoas cresceram um pouco mais do que os demais
  • Sudeste:
    • Destaque para o Espírito Santo, com mais de 5 pontos de aumento em MAT
  • Centro Oeste:
    • Nenhuma UF com mais de 5 pontos de aumento em MAT
  • Sul:  
    • Nenhum destaque, aumento máximo de 4 pontos

Séries finais

  • Norte: 
    • Aumento médio de 4 pontos
    • Acre, Pará e Amapá aumentaram entre 6 e 8 pontos
  • Nordeste:
    • Aumento médio de 8 pontos
    • Rio Grande do Norte, Bahia e Sergipe ficaram bastante aquém dos demais
    • Ceará manteve-se na média de ganhos (8 pontos)
  • Sudeste
    • Aumento médio de 5 pontos
    • Destaque para São Paulo com aumento de 7 pontos
  • Sul
    • Aumento médio de 4 pontos
    • Destaque para Paraná com aumento de 5 pontos
  • Centro Oeste
    • Aumento médio de 4 pontos
    • Mato Grosso do Sul sem aumento

Ensino Médio

  • Norte
    • Aumento médio de 6 pontos na rede privada
    • Aumento médio de 6 pontos na rede pública
    • Amazonas, Pará e Amapá com 7, 8 e 9 pontos respectivamente
  • Nordeste
    • Aumento médio de 7 pontos na rede privada
    • Aumento médio de 8 pontos na rede pública
    • Piauí, Ceará e Sergipe sem aumento ou aumento inferior a 4 pontos
    • RN, PB, Alagoas PB com aumentos expressivos, 10 a 13 pontos
  • Sudeste
    • Aumento médio de 1 ponto na rede privada
    • Aumento médio de 10 pontos na rede pública
    • Rio de Janeiro com apenas 2 pontos de aumento
    • Minas, Espírito Santo e São Paulo com 7, 8 e 10 pontos de aumento respectivamente
  • Sul
    • Aumento médio de 10 pontos na rede privada
    • Aumento médio de 12 pontos na rede pública
    • Aumento só ocorreu no Paraná (12 pontos)
    • Aumento inexpressivo em SC e negativo (RS)
  • Centro Oeste
    • Aumento médio de 12 pontos na rede privada
    • Aumento médio de 10 pontos na rede pública
    • Apenas Mato teve aumento bastante inferior aos demais estados da região. 
    • MS, Goiás e DF tiveram aumento de 11, 11, e 13 pontos respectivamente.

 Registro metodológico: IDEB

  • O que mais chama atenção é que a nova gestão do Ministério da Educação continue a usar o IDEB como indicador – uma vez que são notoriamente reconhecidas suas fragilidades no meio da comunidade acadêmica.  O IDEB mistura dois indicadores – notas e aprovação. Um mesmo IDEB pode representar notas muito diferentes. 
  • Além disso, o fato de termos 61,6% dos municípios brasileiros com IDEB considerado adequado, nas séries iniciais – com uma média nacional que varia de 200 a 230 pontos em Matemática, em 2019 – sugere que, se o IDEB é um indicador confiável, o padrão do indicador está situado num nível muito baixo. 
  • Os dados apresentados também permitem observar que nas séries iniciais praticamente esgotou a possibilidade de aumento do IDEB via correção do fluxo escolar. Isso significa que a partir de agora somente o aumento nas notas da Prova Brasil irá provocar melhorias no IDEB – o que comprova que o IDEB provoca muito mais ruído do que informação.
  • Em síntese: discutir aumentos do IDEB ajuda pouco ou nada a avançar o debate sobre a qualidade da educação no Brasil. E tira o foco do problema central – a qualidade.