Ensino da Língua

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O domínio de uma língua é aferido através de três componentes: domínio da escrita, capacidade de expressão oral e compreensão da leitura. Até o final do ensino fundamental, espera-se que o aluno tenha o domínio adequado da linguagem para lidar com os desafios do cotidiano como cidadão e/ou prosseguir os estudos no nível seguinte. Ao final do ensino médio, espera-se que o aluno tenha desenvolvido familiaridade com a literatura e correntes literárias e demonstre capacidades analíticas mais afinadas no uso da língua, que o capacitem para prosseguir estudos no nível superior. Esses são os referenciais usados em testes internacionais, como o Pisa (Program for International Student Assessment), e exames de conclusão de cursos secundários ou de admissão ao ensino superior.

Foco, rigor e coerência no ensino da Língua Portuguesa

  • O foco no ensino da Língua Portuguesa refere-se à delimitação do que deve ser ensinado a cada ano. As expectativas de aprendizagem são especificadas para os domínios de leitura, escrita, expressão oral, bem como dos conhecimentos gramaticais subjacentes. Embora sejam parte de um todo – a língua –, essas áreas são conceitualmente distintas, devem ser ensinadas em momentos específicos, mas sempre levando em conta as suas inter-relações.
  • O rigor significa delimitar com clareza o que deve ser ensinado em cada série, para que o aluno progrida com segurança. Diferentemente da matemática, cuja estrutura disciplinar é mais rigorosa e estruturada, a Língua Portuguesa possui diferentes dimensões que podem e devem ser assimiladas de forma progressiva. Em alguns aspectos há uma sequência óbvia, por exemplo, é preciso ser alfabetizado antes de dominar a ortografia; é razoável ensinar as regras ortográficas mais simples antes das mais complexas; aprendemos a usar frases simples antes de usar muitas frases complexas; há gêneros literários mais adequados para determinadas séries e idades. Enfim, o rigor de um programa de ensino se reflete na capacidade de o aluno perceber o que já domina de um tópico, de forma a avançar no domínio do mesmo tópico em um grau de complexidade maior.
  • Coerência refere-se à articulação do programa de ensino entre as diversas séries, de forma que a sequência de tópicos seja apresentada de maneira lógica, consistente com a estrutura da disciplina. No ensino da Língua materna, é necessário estabelecer uma articulação e equilíbrio entre o conhecimento da estrutura da língua e os três grandes objetivos do ensino da língua, quais sejam a compreensão da leitura, a proficiência na escrita e a capacidade de expressão oral em diferentes contextos. A coerência é dada, sobretudo, pela capacidade de o aluno perceber e compreender de forma adequada como o maior domínio.

Leitura, escrita e expressão oral

  • Um currículo da Língua Portuguesa (ou de qualquer língua) deve incluir um tratamento balanceado das três dimensões da língua: ler, escrever e falar, ou seja, foco na leitura, escrita e expressão oral.
  • O conhecimento e domínio da estrutura da língua/gramática deve ser adquirido nas três dimensões, portanto o detalhamento do currículo deve contemplar o domínio da gramática em todas essas três áreas.

LEITURA

Leitura: o que ensinar

  • Alfabetização e fluência.
    • O estágio preparatório ao estudo da língua incluí a alfabetização e o desenvolvimento da fluência da leitura. A alfabetização deve ser preparada na pré-escola e efetivada no 1o ano. A fluência de leitura deve ser praticada pelo menos até o 5o ano – ou até que o aluno adquira a autonomia para desenvolver a fluência a partir do hábito de ler.
  • Estrutura da Língua: a gramática
    • O ensino da gramática deve ser incluído no ensino da leitura, escrita e comunicação oral. O programa de ensino precisa especificar com clareza o quê e quando o aluno deve aprender gramática. Isso nada tem a ver com a forma de ensino – que poderá ser mais ou menos contextualizado nas atividades de ensino da leitura, da escrita ou da expressão oral.
    • A gramática se ocupa das regras para uso da língua. A própria definição de gramática tem sofrido uma evolução. Tradicionalmente, a gramática incluía a fonética (que inclui a ortografia), morfologia, sintaxe e a gramática histórica, que se ocupava da etimologia. Atualmente, a gramática inclui ainda outros elementos, especialmente a semântica e pragmática. O domínio da língua inclui a capacidade de usar essas regras de maneira adequada. Isso requer, no mínimo, um conhecimento prático do funcionamento dessas regras, mas a plena autonomia do aluno só é adquirida quando ele é capaz de argumentar com base no conhecimento das regras.

Leitura: para que ler? – a compreensão

  • A compreensão da leitura é uma capacidade separada da capacidade de ler. Há duas provas convincentes dessa separação. A primeira é o fato de que crianças e adultos analfabetos são capazes de compreender muitas coisas, inclusive compreender textos complexos, que são lidos para eles. A segunda é a alta correlação entre capacidade de compreensão oral (o que se ouve) e compreensão a partir da leitura entre leitores proficientes, ou seja, aqueles que já aprenderam a ler com fluência
  • A compreensão da leitura depende de inúmeros fatores:
    • O primeiro é a capacidade de ler com fluência.
    • O segundo é o conhecimento do vocabulário e das nuanças da linguagem em geral, que, por sua vez, reflete o conhecimento do assunto
    • O terceiro são habilidades gerais de compreensão, como a capacidade lógica para fazer inferências ou para identificar informações implícitas. Merece particular atenção o domínio de habilidades metacognitivas, especialmente as relacionadas com o controle executivo e com a capacidade de inibição. Isso é fundamental, por exemplo, para dirimir problemas de polissemia – escolher um sentido para a palavra envolve a capacidade de inibir os demais.
    • O quarto fator é o conhecimento da sintaxe, que permite fazer relações entre os elementos das frases, entre frases e entre parágrafos e que permite avaliar as nuanças e o grau de coerência e coesão de um texto.
    • O quinto fator inclui as habilidades específicas relacionadas com o conhecimento dos gêneros e tipos de texto, e que ajudam a fazer previsões e antecipações. Nesse último caso também se inclui o conhecimento literário, em geral. O conhecimento de outros textos do mesmo autor, do conjunto da obra e de outros elementos que facilitam o entendimento do texto no próprio contexto e em relação a outros textos. Trata-se, portanto, de um vasto e complexo conjunto de habilidades e competências inter-relacionadas e que se auto-reforçam ao longo do período da escolarização.

Leitura: o que ler? 

  • Um programa balanceado de ensino deve oferecer ao aluno um leque equilibrado de leituras literárias (narrativas e poemas) e não literárias (gênero informativo e persuasivo).
    • Os textos literários possuem um vocabulário relativamente restrito, quando comparados com textos informativos. Mas, além de seu valor intrínseco, são importantes para desenvolver habilidades como ser capaz de acompanhar e relacionar sequências de eventos, personagens e seus papéis, etc.
    • Já os textos informativos, didáticos e técnicos ajudam a expandir o vocabulário, o rigor nas definições e a estrutura lógica na apresentação de ideias. Nas séries iniciais, o professor deve ler para os alunos textos mais complexos do que eles seriam capazes de ler sozinhos. A partir do 6º ano o estudo da literatura pode e deve acompanhar o estudo da História, de forma a possibilitar ao aluno uma visão mais abrangente do contexto histórico-cultural em que se desenrolam os fatos e como eles são retratados a partir de diferentes perspectivas.
  • Leitura, Literatura e ensino da Literatura
    • Primeiramente, cabe distinguir o ensino da leitura do ensino da literatura. O ensino da leitura – cuja preparação deve se iniciar desde o berço – não deve ser confundido com o ensino da literatura, embora este se baseie em grande parte naquele. O ensino da leitura trata do desenvolvimento de competências que ajudam a compreensão de textos – sejam eles literários ou não. Nesse sentido, o ensino da leitura vai além do ensino da literatura. Por outro lado, o conhecimento de bons textos literários constitui o melhor veículo para ajudar o aluno a compreender o funcionamento da língua.
    • O ensino formal da literatura normalmente é ministrado no ensino médio. No entanto, o uso da literatura no ensino da leitura começa desde cedo, mesmo antes da idade escolar. Desde cedo, a criança já começa a perceber as características de diferentes textos literários, e seus diferentes usos sociais. Ela usa esses referentes para fazer antecipações e interpretar melhor um texto mesmo antes de aprender a ler – como, por exemplo, ocorre com a criança que sabe que na fábula falam os animais, e que haverá uma moral no final. Ademais, a iniciação adequada dos alunos aos livros servirá para formar o gosto e hábito pela leitura, essencial para a formação de bons leitores.
    • No ensino fundamental, a criança já começa a aprender as características dos vários gêneros e tipos de texto, bem como as suas características formais. Também começa a identificar autores preferidos e as suas marcas. Além disso, é importante que a criança reconheça as características de cada texto no ato da leitura, como, por exemplo, a presença ou não de narradores, personagens e outros. A partir daí a criança se torna capaz de identificar a finalidade dos gêneros textuais e a relevância de cada texto para as suas práticas sociais, como bilhetes, formulários, cartazes, notícias, regras de um jogo entre outros que fazem parte de seu cotidiano. Dessa forma, a criança conhece os textos e associa a leitura a práticas diárias da sua vida.
    • O ensino de literatura, propriamente dito, inclui a história da literatura; as correntes literárias; as características dos textos literários; o estudo dos diversos gêneros e tipos de texto; e o estudo aprofundado de autores. Esse ensino comporta várias formas de organização, que não são parte de um programa de ensino, mas de uma sequência cronológica que envolve outras manifestações artísticas de acordo com os diversos contextos históricos. Por esse motivo, as formas de organização temática, cronológica, o estudo aprofundado de determinados autores ou correntes literárias.

ESCRITA

  • A escrita compreende pelo menos quatro níveis: a caligrafia, a ortografia, a sintaxe e a redação. Ortografia e sintaxe são partes da gramática.
    • Caligrafia. A importância da caligrafia se deve a dois fatores. Primeiro, às necessidades práticas de comunicação: mesmo em um mundo cada vez mais informatizado, o uso da escrita manual ainda é muito frequente, e isso requer um domínio da caligrafia para que a escrita seja rápida e legível. Segundo, a caligrafia, especialmente a letra cursiva, além de ser mais eficiente está associada à formação da capacidade de identificação automática das palavras. A eventual substituição da caligrafia pela escrita digital deverá levar em conta esses dois fatores. Junto com o ensino da caligrafia são ensinadas importantes habilidades referentes ao uso do papel, a disposição dos vários tipos de texto e, cada vez mais, o uso de recursos gráficos e visuais que acompanham os textos.
    • Ortografia. A ortografia deve ser dominada até o final das séries iniciais e refere-se ao domínio prático, isto é, ao uso das regras que compõem o código ortográfico. Embora o essencial seja o domínio prático, somente o conhecimento das regras permite ao aluno saber quando e por que seu texto está correto. Dos exercícios de sistematização surge o domínio da norma padrão, se o aluno sabe a regra, ele pode avaliar os seus próprios erros e os dos colegas. Ou seja, para promover pessoas autônomas é necessário que elas saibam a razão de ser de suas práticas, portanto, precisam conhecer as regras.
    • Sintaxe. A sintaxe inclui o estudo da estrutura e função das palavras na frase, e destas, no parágrafo e no texto. O conhecimento sintático é fundamental para ajudar o aluno a entender a forma como um texto é elaborado e a importância da escolha das palavras e de sua colocação na frase. Menos do que conhecer regras, o aluno deve desenvolver a capacidade de analisar as implicações das escolhas no entendimento do texto e no seu impacto sobre o leitor. A partir do 3º ano, os alunos já começam a abandonar o uso quase exclusivo de frases simples e justapostas e a empregar frases complexas por coordenação e por subordinação, refletindo um pensamento cada vez mais elaborado. O aluno deve aprender como funcionam as relações entre os vários elementos da frase, a função das classes de palavras das frases no parágrafo e deste no texto.
    • Redação. A redação propriamente dita requer o domínio de todas as competências anteriores e ainda envolve outros conhecimentos. De um lado, o aluno deve aprender desde cedo a percorrer as cinco etapas do processo de redação: o planejamento, a redação propriamente dita, a revisão, correção e apresentação do texto (passar a limpo e ilustrar quando for o caso ou preparar uma apresentação oral). De outro lado, deve obedecer às características do gênero e do tipo de texto que vai escolher, com suas implicações para a escolha da linguagem, tom, vocabulário, e, especialmente, o impacto do texto sobre o leitor. Ademais, a redação deve contemplar de maneira equilibrada a elaboração de textos narrativos, informativos e persuasivos, sendo que os dois últimos devem ocupar pelo menos 2/3 da atenção, tendo em vista sua utilidade não apenas para as tarefas escolares, mas para as tarefas mais usuais da escrita ao longo da vida. A redação também deve incorporar, mais e mais, o uso da mídia e da internet, tanto para a coleta de dados e informações quanto para a apresentação de trabalhos.

EXPRESSÃO ORAL

  • A origem da língua é oral. A aquisição da linguagem e o conhecimento linguístico deriva fundamentalmente da transmissão oral. O ensino da expressão oral, em suas origens, concentrava-se na retórica, na arte do discurso persuasivo. No decorrer da história houve um desvio – o discurso passou a ser escrito e lido, e o ensino da linguagem escrita passou a prevalecer sobre o da linguagem e expressão oral. No mundo contemporâneo, a expressão oral assume uma importância cada vez maior, pois está diretamente relacionada com a capacidade de comunicação – e convivência – das pessoas. Portanto, a comunicação e expressão oral devem ajudar o aluno a se comunicar em vários ambientes em que vive, e nos quais atuará ao longo da vida. Além disso, inclui saber ouvir, saber intervir, saber falar para atingir diferentes propósitos (informar, encantar, persuadir) e o uso de diferentes mídias.
  • Nesse novo contexto, o ensino da expressão oral compreende habilidades tais como contar, descrever e expor, mas também habilidades de trocar e debater ideias, respeitar o interlocutor, dar e receber feedback de maneira produtiva. Compreender também o domínio de habilidades e técnicas de comunicação e expressão corporal, não verbal, bem como o respeito às regras de comunicação estabelecidas nos diferentes contextos, a começar pelo contexto da sala de aula ou em outros contextos criados por meio de atividades. Tais atividades podem motivar o aluno a saber se expressar adequadamente em conversas, entrevistas, debates, simulação de júri, encenação de poemas, sarau de poesias, ou um jogral. Nesses contextos diversificados poderão ser inseridos conhecimentos quanto à postura, dicção, tom de voz entre outros. Tudo isso com o objetivo de ajudar o aluno a aprimorar, a cada dia, suas competências de falar, ler e fazer apresentações em público.

Referências básicas:

Beard, R. et al (2009). The SAGE Handbook of Writing Development. Londres: Sage Publications, Ltd, 2009Bereiter, C. ; Scardamalia, M. The psychology of written composition. Hillsdale: NJ.: Lawrence Erlbaum, 1987 Morais, J.. (2012)

Oakhill, J. ;Cain, K. e Elbro, C.: Compreensão de leitura – Teoria e Prática. São Paulo: Hogrefe, 2017

Snow, C. Reading for understanding: toward an R&D program in reading comprehension. Santa Monica, CA: Rand Education, 2002

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