Investimento maior por aluno não garante melhor rendimento no Enem, diz pesquisa

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A relação entre gastos e qualidade na educação é um dos temas mais controversos entre pesquisadores da área. Um novo levantamento feito sobre o tema, produzido pelo IAB-Dados (do Instituto Alfa e Beto), mostra que não há correlação entre o investimento por aluno nas redes estaduais e as médias verificadas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou no Índice de Desenvolvimento da Educação Báscia (Ideb), principal indicador da qualidade do ensino no país.

Segundo o estudo, o Distrito Federal é a unidade da federação com maior investimento anual por aluno: R$ 14.633. O valor supera em 116% o que é gasto em São Paulo e em 191% o registrado em Minas Gerais. Os resultados desses estados, no entanto, são muito próximos quando consideradas as médias dos alunos da rede estadual no Enem. São Paulo apresenta a maior nota, o Distrito Federal é o terceiro, e Minas, o quarto. O Rio de Janeiro aparece no levantamento gastando um pouco mais que Minas e São Paulo, com a segunda maior média de desempenho. No outro extremo do ranking de desempenho, há também estados com alto gasto (caso do Amazonas, o terceiro que mais investe por aluno e apenas o 23º em desempenho) e médias baixas.

O mesmo exercício foi feito pelo IAB-Dados com resultados do Ideb. Em todos os casos, o resultado mostrou sempre uma baixa correlação entre gastos e desempenho.

— A razão para este cenário é um modelo de ensino inadequado, uma dificuldade estrutural. A falta de relação acontece principalmente por causa da gestão. Quando você tem um sistema ou um estado mais organizado do que o outro, verá a diferença de resultados entre eles. O problema nem chega ao pedagógico. Não se pode dizer que a sala de aula está ruim. É antes disso. O problema é, sobretudo, estrutural — afirma João Batista Oliveira, presidente do IAB.

Segundo Oliveira, o fator que mais impacta o gasto dos estados é a remuneração do professor.

— O professor é fundamental mas ele é o item mais caro e é mal gerido. Existem problemas em sua alocação, em sua carga horária e nos tempos de aulas em que está no colégio mas não trabalha, as chamadas “janelas”. O professor é contratado para trabalhar 40 horas mas somente ocupa pouco mais da metade desse tempo em sala de aula — afirma Batista.

TEMOS QUE INVESTIR MAIS, DIZ PROFESSOR DA USP

O professor da USP José Marcelino Rezende Pinto, autor de vários estudos também sobre gastos em ensino, concorda que há um problema de gestão que impede que os recursos sejam bem aproveitados, mas diz que isso não significa que o valor investido hoje no país seja suficiente. Para o pesquisador, é necessário aumentar as verbas e gerenciá-las melhor.

— Os Estados Unidos, por exemplo, investem US$ 9 mil por aluno. Muito mais do que qualquer valor brasileiro. Falam que gastamos boa parte do nosso PIB em educação, e é verdade. Mas nosso PIB é muito baixo, não dá para avaliar desta forma. Temos que investir mais para melhorar a qualidade e também para, enfim, incluir quem ainda não conseguiu chegar nos bancos escolares.

O foco deste investimento, afirma Marcelino, deve ser o professor:

— Se eu quero contratar profissionais qualificados, devo investir neles. Um cara que faz física e é bom em matemática, por exemplo, pode se sentir mais atraído a trabalhar na Receita Federal ou em alguma área que necessite daquele conhecimento específico do que ir para a licenciatura, que não é valorizada.

João Batista não acredita que o aumento do salário traga os resultados esperados:

— O aumento atrai professores mais qualificados se for colocado para quem for entrar. Se você for dar aumento para todo mundo, não vai dar certo. Vai inflar ainda mais a folha de pagamento em um modelo que já não rende o desempenho esperado.

Alguns outros gargalos também são apontados como motivos para o investimento ser alto e o desempenho ser baixo. José Marcelino afirma que se deve estar atento à análise dos custos com a educação e não somente ao valor absoluto.

— Contabilizamos a presença dos aposentados na folha de pagamento, por exemplo, em uma pesquisa que fizemos. Existem cidades onde os aposentados compõem cerca de 50% da folha. Isso não é professor atuando em sala de aula. Não deveria ser computado como investimento. Outro problema é a corrupção. É o famoso “gato escondido”. Se pegarmos as listagens de professores em um estado inteiro e buscar quantos estão realmente atuando, veremos distorções — afirma Marcelino.

Para Batista, a flexibilização da rotina e das relações de trabalho dos professores é necessária para que uma boa gestão seja feita:

— Existe uma ideia de que professor dá aula em mais de duas escolas públicas sempre. É falso. Isso acontece no colégio particular. No público, quando acontece, é porque ele tem duas matrículas. Agora, um professor de filosofia, por exemplo, que dá um tempo por turma semanalmente teria que ter 40 turmas para cumprir o proposto. Isso é impossível em um mesmo colégio. Logo, sobra tempo.

O especialista também mostra preocupação com as legislações de cidades que impossibilitam a cooperação para a melhoria do sistema educacional em uma região.

— Se pensarmos na área rural, temos cidades pequenas e próximas que gastam o dobro com escolas quando poderiam atuar juntas se houvesse uma unificação das redes. É um desperdício pela regra.

 

 DEFASAGENS NAS REDES DE CIDADES SÃO DESAFIO

José Marcelino concorda que a isonomia entre as redes é uma defasagem no sistema de ensino que causa distorções. Porém, o professor vê com receio a ideia de flexibilização.

— Ela deve ser feita pensando na educação e não somente em exames. Vemos hoje que os colégios se voltam a dar muitos tempos de português e matemática porque possuem pesos maiores. Isso causa um empobrecimento enorme para o currículo.

De acordo com o professor da USP, o estabelecimento do que é prioritário para a educação deve ser o principal fator a ser pensado quando se cogita mudar as práticas dos docentes.

— A rotina do professor deve ser pensada não somente se ele está sendo eficiente para a folha de pagamento, mas se está exercendo na plenitude suas atividades para com a educação. A nota, seja de uma prova no colégio ou do Enem, é uma das formas de se avaliar. Não pode ser a única.

A rede federal foi citada pelos especialistas como um modelo que produz bons resultados, mas que também possui uma série de dificuldades que devem ser superadas. Um dos pontos destacados no caso das escolas federais é o fato de atraírem alunos de maior nível socioeconômico, fator que estudos mostram ser o principal determinante do desempenho escolar.

O fato de existir essa diferenciação entre um sistema de educação e outro já é um problema. Um mesmo bairro pode ter um colégio público de excelência e outro não, só porque são de redes diferentes — conta Oliveira.

Para Marcelino, a desigualdade não está somente nos salários dos professores e na infraestrutura diferente das escolas federais. O professor afirma que estas instituições já se tornam díspares na própria forma como seus alunos entram nos colégios.

— A rede federal trabalha com uma elite do “andar de baixo”. São alunos que não possuem recursos para um bom colégio particular, mas entraram por meio de concurso. São os melhores de seus grupos. Ou seja, não é um ensino universal — conta Marcelino.