O desafio de educar melhor

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O maior benefício da queda no crescimento populacional de um país é a possibilidade de ter mais recursos para educar as crianças. É difícil encontrar uma nação onde tal oportunidade seja tão grande quanto no Brasil. Por duas razões: os nascimentos estão caindo aqui mais rápido que no restante do planeta e o nível médio do nosso ensino ainda é muito baixo, o que significa que qualquer ganho resulta em benefícios enormes.

O Brasil é também um dos locais que sofrem a transição demográfica mais radical em curso. E vai começar a ter uma população decrescente antes da metade do século. Não pode mais, portanto, contar com mão de obra barata para impulsionar o Produto Interno Bruto (PIB). É consenso entre os especialistas que precisamos buscar um novo padrão de desenvolvimento, baseado na agregação de valor, de preferência por meio da inovação, que, por meio da ruptura com padrões produtivos estabelecidos, permite os maiores ganhos.

“Os exemplos de países com sucesso na manutenção do crescimento estão ligados a um investimento prévio em capital humano, casos de Cingapura, Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan”, afirma Kaizô Iwakami Brandão, professor da Escola Brasileira de Administração Pública (Ibape) da Fundação Getulio Vargas (FGV).

A dificuldade dessa tarefa no caso brasileiro está no fato de que a maior parte das crianças nasce nas famílias de menor renda, nas quais o desafio do ensino é muito maior. Os resultados dos exames de avaliação mostram que os meninos e meninas das classes D e E têm desempenho muito abaixo dos demais. “Reverter esse processo é difícil”, alerta Paulo Rocha, presidente do IDados, uma plataforma de informações educacionais com viés econômico.

Fechamento de escolas

Para educar melhor as crianças mais pobres é preciso insistir que os pais, que não tiveram educação de qualidade, garantam que elas frequentem a escola e proporcionem em casa um ambiente de estímulo ao aprendizado. Além disso, é indispensável que os bairros onde elas vivem sejam seguros, para que ir à escola não se transforme em um risco adicional e também para que bons professores tenham vontade de trabalhar nesses estabelecimentos.

Ao contrário de serem apontadas como um problema, as crianças das famílias mais pobres devem ser vistas como uma oportunidade extremamente valiosa para um país que passará a ter escassez de gente em breve. Elas serão a maior fonte de recursos humanos para o crescimento econômico.

O Brasil começou tarde a tarefa de universalizar o ensino fundamental. Mas essa tarefa está praticamente concluída: hoje 93% das crianças em idade de frequentar o ensino fundamental estão matriculadas em uma escola. “O foco não pode mais ser a expansão da rede. Vamos precisar de menos escolas e de menos professores”, alerta Rocha, que também é professor do IESE Business School, em Barcelona.

Algumas escolas, em áreas com menor demanda, terão de ser fechadas. Isso tende a provocar reações fortes da população pelo seu peso simbólico, mesmo nas situações em que o movimento se justifica em termos de alocação de recursos públicos e de política educacional. Em São Paulo, o governo do estado enfrentou protesto de estudantes ao tentar realocar classes de uma escola para outra e fechar algumas unidades.

Em um contexto de menor necessidade de professores, é de se esperar que seja possível conseguir profissionais melhores. Mas isso esbarra no corporativismo dos funcionários públicos, que impedem a concessão de benefícios diferenciados aos docentes com melhor desempenho e a demissão dos que não conseguem apresentar resultado satisfatório. “Prova dessa dificuldade é o fato de que o Distrito Federal tem os salários mais altos do país em suas redes de ensino fundamental e médio e não apresenta resultado significativamente melhor do que outros locais do país”, afirma Rocha.

É preciso atrair para o magistério os melhores alunos do ensino, aponta João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, ao qual o IDados é ligado. “Mas isso não é possível conseguir com uma só rede, gigante. São necessários sistemas melhores, com escolas de grande prestígio, com capacidade de atrair os melhores profissionais”, explica. “É preciso criar um sistema educacional. Colocar dinheiro nisso que está aí não vai adiantar nada”, avisa ele, que foi secretário executivo do Ministério da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso.

Entre os últimos

Não será fácil para o Brasil chegar a um nível de qualidade educacional semelhante à do primeiro mundo. O país ficou em 60º lugar entre 76 países na avaliação deste ano do Pisa, sistema da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. (OCDE), que reúne as nações mais desenvolvidos. O exame mede o conhecimento de matemática, leitura e ciências por estudantes de 15 anos.

A comunidade precisa ajudar

A interação entre escolas e a comunidade — incluindo pessoas e empresas — é um dos caminhos para elevar a qualidade do ensino no país. “O sistema mais eficiente de parceria é a adoção de escolas públicas”, afirma Paulo Oliveira, presidente do Instituto Renovo, de São Paulo, formado por pessoas que contribuem com dinheiro ou trabalho. Segundo Oliveira, as parcerias contribuem para manter as escolas e equipá-las, mas também com treinamento. Incentivam-se conteúdos transversais, como educação financeira, que explora matemática, português, história e ciências.

Com ou sem parcerias, vários colégios públicos do país conseguem resultados melhores do que os particulares. Caíque Rafael, 16 anos, estudava em instituição paga em Tucumã (PA). Hoje, está no 2º ano do ensino médio na escola estadual Alcide Jubé, em Goiás (GO), com aulas em período integral. “Este modelo de ensino aqui é muito melhor”, diz.

Caíque mudou-se há dois anos para a casa da avó no assentamento de reforma agrária Chico Mineiro, em Itapuranga (GO). Todos os dias, ao longo deste ano, ele e o amigo Matheus Silva, 18 anos, que acaba de concluir o 3º ano, se deslocaram por uma hora para vencer os 40km que os separam da escola. Saíam de casa às 5h30 e voltavam só às 19h30. Matheus sonha estudar mecatrônica. “Eu sempre gostei de desmontar aparelhos”, frisa. Caíque quer fazer engenharia civil. “Se não conseguir uma vaga no Brasil, vou tentar na Bolívia, onde meu irmão faz medicina”, afirma.

A escola de Caíque e Matheus é a demonstração da queda da demanda que existe em várias áreas do país. Marisete Araújo, 51, professora de português do colégio, estudou lá quando o estabelecimento tinha 600 alunos. Em 2013, a unidade foi transformada para o ensino em tempo integral, como outras 20 no estado, e passou a abrigar 75 estudantes, com um currículo que valoriza artes e literatura. Diante da queda no número de estudantes, o professor de história Sandro Moraes, 50, marido de Marisete e também ex-aluno da escola, tornou-se policial civil.