Em ambientes nos quais se discute política pública no Brasil, começa a circular uma nova expressão: educação baseada em evidências. O termo, em síntese, parte do princípio de que os gestores não levam em consideração os conhecimentos aferidos em pesquisas ao planejar estratégias de políticas públicas. A premiação de professores por bom desempenho, por exemplo, que de tempos em tempos surge em propostas de municípios e estados, seria um desses casos.
Mas, e se as evidências não forem tão evidentes assim? Se é verdade que os estudos avançaram muito, também é certo que eles mostram que os temas educacionais podem ser muito mais complexos do que parecem à primeira vista, e devem ser tomados sempre em seus contextos específicos.
Isso é o que mostram os estudos do pesquisador norte-americano Richard Murnane, Ph.D. em economia e professor da escola de pós-graduação em Educação da Universidade de Harvard. Murnane esteve no Brasil para o VI Seminário Internacional Educação Baseada em Evidências e concedeu a entrevista a seguir para a revista Educação.
Seu trabalho reúne estudos e pesquisas em busca de evidências que orientem políticas públicas. Isso é necessário? As políticas públicas não levam em conta as evidências?
Com certeza, muitas vezes não levam. Mundo afora, a educação é uma questão política, como também o é no Brasil. Há diferenças de valores entre aquilo que as pessoas acham que as crianças devem aprender e como. Então, o movimento de basear as políticas em evidências é uma luta contínua. Mas, por outro lado, podemos dizer que não é fácil coletar boas evidências. Houve muitos avanços em metodologias, sabemos muito mais. As descobertas estão surgindo e influenciando as políticas.
Muitas vezes, as evidências apontam direções opostas. Há quem diga que o incentivo monetário para educadores é positivo; outros que não. O que mostram as evidências que coletou?
As evidências mostram que políticas baseadas no incentivo individual ao salário dos professores não têm resultados encorajadores. Mas acredito também que as perguntas precisam ser mais bem explicitadas. Há outra questão anterior a essa que me fez, se quisermos pensar melhor o tema dos estímulos. A pergunta correta é quais são os mecanismos que levam alguém a pensar que a recompensa financeira melhora o desempenho. Isso varia muito conforme os problemas vividos, os contextos e as estratégias utilizadas. Dou um exemplo: o absenteísmo é um grande problema na Índia. Os professores não vão à escola regularmente. Nesse caso, lá fez sentido oferecer incentivos para que os docentes cumprissem seus compromissos. Em contraste, pagar mais os professores conforme os testes escolares quando o professor não tem habilidade nem conhecimento de como melhorar o desempenho dos alunos tem gerado respostas que não vão beneficiar as crianças.
Que tipo de respostas são essas?
Uma resposta muito comum é que os professores começam a focar seu trabalho orientado para os testes. Em vez de educar, passam a ensinar as crianças a fazer testes. Isso não significa que não deve haver incentivos, mas precisamos pensar diferentes formas de estimular e premiar os docentes. Por exemplo: por que não pensar formas de recompensar cursos de educação continuada e professores que realmente fazem diferença em sala de aula? Há cursos que produzem efeito, outros não. Há professores que se interessam, participam, levam o que aprenderam para a sala de aula, e outros que não. Isso pode ser interessante para estimular esse tipo de formação, que se mostra muito necessária.
Mas não há uma questão de fundo, quando se fala em estímulo? Nem tudo depende do professor. Em contextos de extrema desigualdade, como o do Brasil, como dissociar os fatores ligados ao contexto sociocultural das crianças e das famílias, das condições de trabalho, para premiar este ou aquele professor ou escola?
Você tem razão. Certamente o contexto influi. É muito difícil prever as respostas aos incentivos e nem sempre é claro o que vai acontecer. Por isso, quem quer que tome esse caminho precisa desenhar um sistema de avaliação do incentivo dado para verificar se realmente está fazendo efeito. Há muitas variáveis e as estratégias podem ser decisivas. Voltando ao caso da Índia, foi feito um experimento, no qual os professores ganharam uma câmera com a qual faziam fotos impressas com dia e horário. Para que recebessem o estímulo pela assiduidade, tinham de tirar uma foto de si e pelo menos outras oito crianças, uma pela manhã e outra pela tarde. Nessas escolas, realmente verificou-se que os alunos aprendiam mais. Em outro experimento, em vez do expediente das fotos, as escolas eram visitadas por inspetores do governo. Nesse caso, os professores se sentiam muito ofendidos pela vigilância. Isso mostra que o mesmo incentivo, com detalhes diferentes, tem resultados diferentes.
De toda forma, pagar mais um profissional para fazer aquilo que já deveria estar fazendo não é reconhecer que todo o sistema fracassou?
Sim, entendo seu ponto de vista. Mas, veja: para que a educação funcione todos temos muito a fazer. Todos sabemos que precisamos criar escolas em que os professores sintam-se compromissados com os seus pares e com os estudantes. Os professores também querem o mesmo. Mas como se consegue chegar a isso? Ponha-se no lugar de um professor que se esforça, trabalha muito para conseguir resultados, mas ao seu lado seus colegas não fazem o mesmo. O que você faria? Em muitos casos, incentivos podem mudar uma situação para um patamar melhor. Veja que incentivo é qualquer estímulo que se queira adotar, ou seja, falamos de uma definição ampla e não apenas financeira. O objetivo final é fazer que o professor aumente o senso de responsabilidade sobre seus colegas e seus alunos.
Se o estímulo ao desempenho individual do professor não traz bons resultados, é melhor premiar a escola?
As evidências de pesquisa têm demostrado que os pagamentos adicionais por desempenho individual não funcionam bem. Nesse caso, são mais eficientes quando envolvem responsabilidades adicionais para os que se destacam. Por exemplo: se um docente é muito efetivo e desenvolve a reputação de um bom mentor para os novos docentes, ele deve merecer uma compensação condizente com esse papel. Mas, em qualquer caso, há duas dificuldades centrais para compensar individualmente professores. A primeira é que a efetividade da escola é resultado de um trabalho de equipe. Você não deve recompensar indivíduos nas organizações nas quais o que importa é o time. E uma escola é assim por excelência. Outra questão é que o estímulo para os que ensinam bem não faz nada pelos professores que não ensinam bem. Nas escolas privadas, os professores que não são bons são demitidos. Isso deveria acontecer nas escolas públicas. Depois de um período de apoio, de formação, os professores que não se encontram na profissão devem procurar outro emprego.
Mas, de novo, falar de incentivos não é fugir da questão central, que é a atratividade da carreira?
Não podemos esquecer isso, concordo. Eu não acho que é possível ter boa educação para crianças se a profissão de professor não é um trabalho atraente. As condições têm de ser suficientes para atrair pessoas capacitadas. Não tem sentido avaliar se as pessoas estão fazendo bem seu trabalho em uma profissão em que ninguém quer atuar. Vou falar sobre o que conheço: na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, eles não levavam isso em consideração quando avaliavam e premiavam professores. O que acontecia é que os bons professores iam trabalhar nas comunidades de escolas mais ricas, que tinham melhores resultados. Um teste simples das políticas de incentivo, se vão funcionar, é se são capazes de incentivar professores a trabalhar em comunidades de baixa renda, precárias. Isso mostra se são eficazes ou não.Toda política que não encoraja os melhores professores a trabalhar com crianças que vêm de famílias de baixo contexto sociocultural é contraprodutiva. E isso é fácil de testar.