‘Problemas na educação transcendem muros das escolas’

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Escola emocional

Tramita no Congresso Nacional uma proposta para fazer o volume de recursos para a educação chegar a 10% do PIB nacional. Hoje, o Brasil investe 5,7% – um dos índices mais altos entre os 42 países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a frente de Reino Unido, Canadá e Alemanha, por exemplo. A presidente Dilma Rousseff está propondo que os royalties do pré-sal sejam destinado para educação. Segundo informações da ONG Contas Abertas, em dez anos, gastos do Ministério da Educação duplicaram. Em 2012, o MEC teve a maior execução orçamentária da história. O órgão desembolsou R$ 86,9 bilhões, o equivalente a 1,97% do PIB brasileiro em 2012 (R$ 4,4 trilhões). Apesar de os investimentos serem grandes, não conseguimos resolver o problema estrutural da educação no Brasil. Para onde está indo todo esse recurso? O Imil conversou com João Batista Araújo e Oliveira, Ph.D em Educação, presidente do Instituto Alfa e Beto e especialista do Millenium. Oliveira acredita que na educação os desperdícios com ineficiências são muito maiores do que os recursos desviados. “A ineficiência é de pelo menos 50%, dificilmente os desvios chegam perto disso”.

O que falta para a educação deslanchar? Para onde está indo todo este dinheiro?

O Brasil alimenta duas ilusões a respeito de como melhorar a educação: gastar mais e fazer mais, ou seja, expandir a oferta de matrículas e ampliar o tempo de atendimento. Nada disso por si só melhora a educação. Mais oferta e mais tempo significa esgarçar os recursos existentes. Mais recursos sem outras mudanças significa jogar dinheiro fora. Somente com repetentes do ensino fundamental o país gasta mais de 15 bilhões de reais por ano. De que adiantaria mais recursos, se isso não for corrigido? O Brasil paga dois professores para cada turma de alunos, ou seja, o professor ganha a metade do que poderia ganhar. Jogar mais dinheiro na educação sem fazer profundas reformas nos critérios de divisão dos recursos e na forma de sua alocação não irá contribuir para a educação. Prova cabal: o MEC praticamente dobrou os recursos de que dispõe para a educação nos últimos 10 anos – e praticamente nada mudou nos resultados e na eficiência.

Irregularidades envolvendo desvio de recursos da merenda escolar estão sendo apuradas em metadedos municípios do país. Só este ano, o MEC abriu 13 investigações. Como podemos lidar com esse problema? Como podemos exigir mais transparência na aplicação de recursos?

Não tenho dados sobre o montante de recursos fraudados em educação. Mas este certamente não é um problema específico do setor. Corrupção se trata com legislação adequada e punição exemplar. A sociedade brasileira ainda não está disposta a exigir do Executivo, do Legislativo e do Judiciário as reformas necessárias para isso. Mas na educação os desperdícios com ineficiências certamente são muito maiores do que os recursos desviados. A ineficiência é de pelo menos 50%, dificilmente os desvios chegam perto disso.

Muitos especialistas são unânimes em afirmam que o problema da educação está na gestão. Em 2012, o Programa de Gestão e Manutenção do Ministério da Educação foi o que mais recebeu recursos. Ao todo, R$ 23,4 bilhões para o pagamento de servidores, contribuição à previdência, administração da unidade, entre outros, o que demonstra novamente que dinheiro só não basta..

Não existe bala de prata – os problemas da educação são muitos e as soluções também são muitas, e não há um só caminho. Quando se fala em “programa de gestão do MEC” trata-se de recursos para a administração do MEC e das universidades, não de recursos para promover a eficiência gerencial da educação. Mas a eficiência gerencial é apenas um dos problemas da educação – o Brasil ainda não criou as políticas e instituições fundamentais para edificar um sistema educacional robusto. Vivemos de bolsas, programas, projetos, fundos, iniciativas de curto prazo que drenam a atenção e os recursos para questões pontuais e distraem do foco.

O investimento brasileiro no setor é próximo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil é o 15º que mais investe o PIB na área, segundo a lista da OCDE, mas se encontra somente em 53º lugar de um total de 65 no Pisa, programa de avaliação da qualidade da educação da mesma organização. Mais uma vez isso revela que maiores investimentos não necessariamente acompanham uma melhora na performance dos alunos. De que maneira a corrupção afeta qualitativamente esses dados?

A relação entre maiores gastos e rendimento escolar também não se verifica. Isso vale para estudos comparando países e estudos feitos dentro de países, inclusive no Brasil. No caso do Brasil, um dos problemas centrais de qualquer política de gastos é o magistério. A esmagadora maioria dos professores brasileiros não possui nem formação básica nem qualificação profissional adequada para ensinar. A carreira, da forma como existe, não atrai os melhores talentos. A formação é totalmente inadequada, mas ainda que não o fosse, dificilmente iria muito longe, tendo em vista a formação dos que procuram as carreiras do magistério. E não existem estágios probatórios que permitiriam fazer uma triagem dos que se revelam adequados à profissão – e, se existissem, possivelmente eliminaria a maioria. Ou seja, enquanto o país não se dispuser a repensar educação como parte integrante de sua estratégia de desenvolvimento e começar do início, todos os investimentos em educação continuarão a ser muito ineficientes, pois a condição de absorvê-los de forma adequada é muito precária. É a política de remendos – muito parecida com o que vemos nas estradas mal construídas e que são recapeadas a cada ano. Um exemplo pode ajudar a entender melhor a questão. Nos próximos anos, teremos cerca de 2,5 milhões de crianças em cada faixa etária. Ou seja, precisaremos de aproximadamente cem mil professores para cada série escolar – um professor para cada 25 crianças em média. Portanto, a rigor, precisaríamos de 1.4 milhão de professores para os 14 anos da escolaridade obrigatória. Hoje temos mais de 2,5 milhões de professores – a maioria deles sem o perfil adequado para promover um salto de qualidade na educação. Se o país aprendesse a planejar no longo prazo e se atraíssemos cem mil jovens talentosos por ano e os formássemos de maneira adequada, dentro de 20 anos poderíamos ter um plantel inteiro de professores de alta qualidade. Este é o prazo mínimo necessário para se começar uma revolução na educação. O nosso problema é que ninguém está disposto a começar do começo – querem consertar o pneu com o carro andando…

 O governo lançou uma meta que prevê que todas as crianças estejam na escola até 2022. Segundo estudo da ONG Todos pela Educação, só 10% dos alunos que terminam o ensino médio tem conhecimento adequado em matemática. No momento que o país está vivendo, não deveríamos estar trabalhando para construir capital humano? O que podemos vislumbrar no futuro enquanto nação?

O Brasil não tem problema de vagas nas escolas – o total de vagas oferecidas entre pré-escola e ensino médio é superior à população dessa faixa etária. O que temos é um excesso de repetência e uma evasão que se inicia aos 13 anos de idade, quando muitos alunos se cansam de ficar na escola sem aprender. Metas de cobertura são uma forma de o governo distrair a sociedade dos verdadeiros problemas da educação: qualidade, eficiência e equidade. O baixo nível de conhecimentos de matemática dos alunos do ensino médio não deveria chamar atenção: isso é o resultado natural dos baixos níveis de aprendizagem nas séries anteriores. Se não consertar na base, não adianta querer melhorar o topo. Nenhum professor de séries iniciais, no Brasil, aprende a matemática que vai ensinar para as crianças, mesmo que possua um diploma de curso superior. Enquanto as autoridades brasileiras não cuidarem de criar uma carreira atrativa e formar de forma adequada professores de educação infantil e das séries iniciais, não adianta esperar melhorias no ensino médio. O que se pode obter do plantel atual é muito limitado – e muito caro. É uma triste realidade – mas é a realidade que temos de enfrentar. Os estudiosos do capital humano, notadamente o prêmio Nobel Jim Heckman vêm demonstrando o caráter cumulativo desse capital e sua implicação óbvia: quanto mais cedo investir, maior o retorno. Mas os estudos dos economistas também mostram que não basta investir nos anos iniciais, é preciso continuar investindo no restante do sistema. E mais: a educação pode fazer muito para corrigir desigualdades sociais, mas há um limite. Muito do potencial de desenvolvimento humano também depende da redução dos fatores de risco na primeira infância – quase todos associados à pobreza. E, finalmente, os estudos sobre capital humano demonstram que os fatores não cognitivos – controle do temperamento, atitudes, valores, persistência, esforço etc. – são tão ou mais importantes para o funcionamento das pessoas e das sociedades quanto os fatores cognitivos – e isso implica uma profunda revisão nas formas de promover a educação nas famílias, comunidades e escolas. E aí, de novo, caímos no problema inicial da gestão e da liderança. E nas questões mais gerais de educação e cultura que transcendem os muros da escola.