Entrevista com Adriana Weisleder, pesquisadora da Universidade de Nova York, sobre o programa de leitura entre pais e filhos implementado em Boa Vista (RR)

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No dia 28 de dezembro último, a revista científica Pediatrics, uma das mais importantes do mundo quando o assunto é desenvolvimento infantil, publicou um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Alfa e Beto e da Universidade de Nova York (NYU). Trata-se de uma avaliação de impacto pioneira que mediu os efeitos de um programa de incentivo à leitura voltado para famílias de baixa renda de Boa Vista (RR).

Diversas pesquisas mostram o impacto duradouro da leitura desde o início na vida no desenvolvimento cognitivo, social e de linguagem das crianças, mas é a primeira vez que uma pesquisa desta magnitude é conduzida no Brasil.

A pesquisadora Adriana Weisleder, da NYU, participou do projeto – que ela mesma classifica como desafiador e pioneiro. Na entrevista abaixo, Weisleder fala sobre a intervenção em Boa Vista, a surpresa diante dos resultados e suas pesquisas na área. Confira:

 

Este é um estudo sobre um programa de leitura implementado em uma área pobre de um país em desenvolvimento. Há pouco na literatura científica sobre o tema. Nesse sentido, este estudo pode ser considerado pioneiro?

R: Diversos estudos americanos já mostraram que a leitura é um ótimo contexto para promover o desenvolvimento da linguagem da criança e prepará-la posteriormente para a alfabetização. Programas que promovem a leitura (como o Reach Out and Read, nos Estados Unidos) se mostram eficientes em potencializar as relações entre pais e filhos e o desenvolvimento infantil. No entanto, nos países de baixa ou média renda, são poucos os programas que focam na leitura. Então, sim, este é um estudo pioneiro ao mostrar que um programa de leitura entre pais e filhos pode ser exitoso quando implementado em países em desenvolvimento e em um contexto de população de baixa renda e escolaridade.

 

O que mais a surpreendeu no estudo?

R: Achamos os resultados bastante surpreendentes! Prevíamos identificar um incremento na relação entre pais e filhos e também no desenvolvimento das crianças, mas ainda estamos impressionados principalmente com o grande impacto na inteligência (QI) das crianças. Este foi um resultado bastante expressivo para uma intervenção de relativa baixa intensidade. Também ficamos positivamente surpresos com os workshops com as famílias e também com a reação das crianças diante dos livros. Foi maravilhoso vê-las animadas ao interagir com os livros e com seus pais. Também foi muito bom ver que, com o passar do tempo, os pais ficaram mais confortáveis com os workshops, compartilhando e discutindo experiências, e passando a gostar mais da leitura compartilhada. Ver tudo isso nos deu a confiança de que a intervenção estava tendo impacto antes mesmo de vermos os resultados.

 

Como se deu a colaboração entre o Instituto Alfa e Beto, a Universidade de Nova York e o Programa Família que Acolhe?

R: Ficamos bastante impressionados com as equipes do Instituto Alfa e Beto e do programa Família que Acolhe. O programa incorporou estratégias dos trabalhos prévios desenvolvidos por ambas as instituições (IAB e NYU), bem como modificações que identificamos necessárias ao longo do processo. O resultado foi uma intervenção muito mais forte do que se tivéssemos trabalhados sozinhos. Em relação ao processo de coleta de dados, o IAB administrou um grande time que foi cuidadoso e rigorosamente treinado, e que conduziu a aplicação de mais de 500 questionários em um curto espaço de tempo, mantendo sempre um alto grau de fidelidade. De maneira geral, considero este um projeto muito desafiador, e não seria possível sem uma liderança forte e o suporte local. É importante dizer também que a o Programa Família que Acolhe nos impressionou ao incorporar diferentes tipos de apoio às crianças pequenas – saúde, educação, serviço social –, e por reunir um time tão dedicado.

 

Neste caso específico, a leitura teve um impacto significativo na redução das punições físicas, ou seja, da violência. Este resultado era esperado? Este efeito já havia sido identificado em outros estudos?

R: Muitos estudos a respeito da leitura em voz alta apresentam resultados a respeito da linguagem e da estimulação cognitiva. No entanto, em nossos estudos nos Estados Unidos, vimos que um outro programa (chamado VIP), que também promovia a leitura e a brincadeira entre pais e filhos, levava a uma redução nas punições físicas e nos problemas de comportamento das crianças. Por causa disso, também investigamos esse aspecto na intervenção em Boa Vista.

 

O estudo não aponta os motivos que levam a essa redução da violência, mas evidências prévias vindas de outros estudos nos permitem supor alguns motivos para esse comportamento?

R: Estudos conduzidos nos Estados Unidos sugerem que quando os pais se envolvem mais em atividades positivas com seus filhos, como a leitura e a brincadeira, há um efeito positivo na relação entre eles, e diminui o estresse parental. Portanto, uma das nossas hipóteses é de que mais envolvimento com a leitura leva a mais interações positivas entre pais e filhos, e isso reduz as punições físicas. Outra possibilidade é a de que o envolvimento com a leitura tenha melhorado o comportamento das crianças e, assim, levado a uma queda nas punições físicas. É possível também que, durante os workshops, os pais tenham discutido estratégias de leitura que ajudavam a administrar o comportamento das crianças sem a necessidade de punições físicas. Estudos futuros podem nos ajudar a investigar essas diferentes possibilidades.

 

Em seu trabalho como pesquisadora esta focado em como o ambiente familiar, em especial a interação entre pais e filhos, facilita o desenvolvimento da linguagem e de habilidades cognitivas. Como este estudo em Boa Vista se relaciona com o seu trabalho neste campo?

R: Nos Estados Unidos, temos demonstrado que uma intervenção chamada VIP, que oferece suporte individualizado a pais durante as consultas pediátricas, e que os incentiva a conversar, ler e brinca com seus filhos, tem impacto no desenvolvimento das crianças durante seus cinco primeiros anos de vida. O estudo no Brasil mostrou que algumas das estratégias usadas no VIP podem ser implementadas em outros contextos (grupos de pais, por exemplo) e arranjos, e com populações diversificadas. Isso corrobora a ideia de que oferecer apoio aos pais pode melhorar o desenvolvimento infantil, e a leitura é uma poderosa ferramenta para fazer isso.