Promoção automática: dos males, o menor

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Escola emocional

Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo

Entre a repetência em massa e a promoção -automática, social ou qualquer que seja o adjetivo-, fico com a última. Entre dois males, a prudência recomenda escolher o menor. A repetência em massa é um fenômeno característico de alguns poucos países da América Latina e da África.

Trata-se de uma licença para matar. Basta ser professor e entrar numa escola pública que você adquire tal direito, sem qualquer sanção. Os índices de reprovação no Brasil são alarmantes -quase 20% dos alunos do ensino fundamental sucumbem anualmente.

Isso representa um desperdício superior a R$ 9 bilhões/ano. Imagine esses recursos usados para ajudar o aluno a aprender! As evidências são inequívocas -quanto mais jovens os alunos, melhor a performance nos exames, como a Prova Brasil. Atraso e repetência acabam redundando em círculo vicioso.

Especialmente quem é multirrepetente conclui: “estou atrasado, o professor não gosta de mim, por isso sou reprovado”. Cabe diferenciar a repetência em massa, que se pratica de maneira impune e covarde, no país, com a repetência ocasional, típica de nações europeias e de algumas escolas particulares.

Esta deixa marcas, mas tende a surtir efeito, se usada com parcimônia e fortes justificativas, após esgotar as demais tentativas. E só funciona onde há um contexto social e familiar que compreende e apoia essas medidas para superar problemas, quase sempre passageiros.

Outra forte distorção brasileira é a repetência associada à infrequência escolar. No lugar de obrigar o aluno a frequentar diariamente a escola, a legislação obriga a reprovar o aluno com mais de 25% de faltas, criando, dessa forma, o abuso da infrequência e dissociando promoção de conhecimentos. Isso não significa, no entanto, que a promoção automática seja licença para enganar.

O risco existe, especialmente se as políticas não são acompanhadas de rigorosos programas de ensino para cada ano e bimestre, avaliações sistemáticas, estratégias de diagnóstico e recuperação paralela e, sobretudo, consequências para os professores, diretores e secretários de Educação.

O fato é que deveria vigorar no Brasil a máxima de que a escola que não conseguisse alfabetizar 95% ou mais dos alunos ao final do 1º ano deveria ser reprovada e poder sofrer intervenção. Em setembro de 2009, o Instituto Alfa e Beto (IAB) avaliou 350 mil alunos do 2º ao 5º ano, em quase 400 municípios. Do total, 70% eram totalmente analfabetos -não passariam no teste do Tiririca. Mas todos foram promovidos.

Também observamos que os alunos das séries mais avançadas eram menos analfabetos do que os outros. A conclusão é a de que é possível aprender com os alunos mais adiantados. A aprovação automática retira poder do professor? Talvez.

Mas o que dizer da antiga tradição inglesa de separar as funções de ensino, avaliação e certificação do conhecimento? Por que não voltar a ela? A Prova Brasil, de certa forma, começa a abrir espaço para esse tipo de estratégia.

Vivemos um dilema. Aprovar alunos sem que eles tenham dominado as competências mínimas do currículo de cada ano é fraude; reprová-los é pior. A única saída é ensinar de maneira competente e desenvolver mecanismos preventivos e corretivos, bem como tratamentos alternativos para os que apresentam dificuldades.

A pedagogia da repetência precisa ser erradicada e suplantada por uma pedagogia do sucesso. Esse é o desafio que ainda não superamos.

Até lá, optemos, sem fanfarras e trombetas, pelo mal menor.