A PEC 241 e os Gastos com Educação | Por Marcos Lisboa

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Este artigo faz parte de uma série que debate em dez capítulos questões fundamentais para o avanço da educação no Brasil. As publicações acontecem em comemoração aos 10 anos de atuação do Instituto Alfa e Beto.

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O ensino básico tem grandes desafios e problemas a serem enfrentados. A PEC 241 não é um deles.

Os gastos públicos têm crescido cerca de 6% acima da renda do país há duas décadas.

As razões são várias.

Somos um país ainda jovem, mas em rápido processo de envelhecimento. As nossas regras atuais permitem aposentadorias precoces, resultando numa idade média de aposentadoria por tempo de contribuição de 55 anos, para um homem, e 53 anos, para uma mulher.

O resultado é o crescimento do número de beneficiários em cerca de 3,5% ao ano. O gasto com aposentadorias e assistência social corresponde a quase a metade da despesa do governo federal e vai continuar a crescer rapidamente na ausência de uma reforma profunda da previdência.

Além disso, desde 1988 foram introduzidas diversas normas legais que indexam gastos em programas específicos ao crescimento da economia, caso do salário mínimo, ou da receita do governo, como saúde e educação.

Por fim, na fase de crescimento da economia, o governo expandiu diversos programas sociais e políticas destinadas ao setor produtivo, como as desonerações e o crédito subsidiado, que oneraram as contas públicas para anos à frente.

O resultado é a crise fiscal do governo federal, a longa recessão e uma economia que quando tenta crescer e gerar emprego volta a enfrentar uma inflação mais elevada. A dívida pública passou de 50% do PIB para mais de 70% em dois anos, e vai continuar aumentando até o fim da década, ao menos.

A PEC 241 inicia uma agenda de reformas para impedir o agravamento da crise nos próximos anos.

Seu principal objetivo é limitar o crescimento da despesa federal à inflação do ano anterior. Caso isso não seja possível pelo crescimento vegetativo dos gastos como previdência, a PEC limita aumento dos gastos com diversos programas públicos e gastos com pessoal.

A PEC, no entanto, prevê algumas exceções. Primeiro, os gastos com FUNDEB e as transferências para estados e municípios não serão limitados pelo teto do gasto. Segundo, os demais gastos com saúde e educação não poderão crescer menos do que a inflação do período.

Isso significa que a maior parte dos gastos com educação, mais de 75%, não serão limitados pela PEC, seja por serem despesas primárias excluídas da medida, como FUNDEB, ou por serem gastos não primários, como FIES e PROUNI.

A parte dos gastos com educação afetados pela PEC corresponde, principalmente, às escolas técnicas federais e as universidades. Esses gastos estão parcialmente protegidos, na medida em que não podem ser reajustados abaixo da inflação do ano anterior. Aumentos reais, no entanto, apenas se compatíveis com a meta geral prevista pela PEC para o gasto público.

O descontrole fiscal não foi apenas do governo federal. Diversos estados enfrentam crises severas decorrentes do elevado crescimento dos gastos, sobretudo com pessoal, na última década.

Alguns estados enfrentam uma crise dramática, incapazes de pagar em dia até mesmo a folha de pagamento e aposentadorias. Esse é o caso do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

A má notícia é que esses problemas irão se agravar nos estados e a maioria vai enfrentar uma crise fiscal ainda mais grave, incapaz de arcar com as despesas para manter políticas essenciais, como a manutenção de hospitais, pagamento de servidores, entre várias outras.

A PEC 241 tem por objetivo colaborar para que uma crise semelhante não ocorra no governo federal. Outras medidas, porém, serão necessárias, como a reforma da previdência.

Existe, porém, uma alternativa para o governo federal que não está disponível para os governos estaduais. A volta da inflação crônica. Não parece uma boa alternativa.

A PEC 241 protege os gastos com ensino básico e procura evitar que o agravamento da crise fiscal contamine e fragilize as diversas políticas públicas.

Muitas corporações perdem a capacidade de negociar aumentos significativos dos gastos públicos para atender seus interesses, como servidores e os grupos privados beneficiados com subsídios nos últimos anos.

A PEC impõe que aumentos reais do gasto com políticas específicas tenham que ter como contrapartida a redução em outros gastos, garantindo a consistência das contas públicas. Não se pode mais, simplesmente, conceder aumentos expressivos e deixar a conta para as gerações futuras, até porque o futuro chegou.

A PEC vai colaborar igualmente com a discussão sobre a eficiência e eficácia das políticas públicas. Como podem os gastos terem crescido tanto sem a contrapartida de melhores resultados dos diversos programas?

Rejeitar a PEC não fortalece a educação, que, aliás, em grande parte, está excluída do limite de gasto previsto pela PEC. Rejeitar a PEC fortalece os grupos de interesse que negociam benefícios sem a necessidade de avaliar a consistência das diversas demandas com a solidez das contas públicas.

A PEC permite preservar as regras atuais para os gastos federais com educação básica, reduzindo o risco de que a expansão dos gastos, nas demais áreas, leve à volta da inflação crônica, como nos anos 1980, ou ao colapso da política pública, como em alguns estados.

Muitos grupos de interesse serão afetados pela PEC 241. Para benefício dos gastos com educação básica e do interesse da maioria.

*Marcos Lisboa é Ph.D em economia pela Universidade da Pensilvânia e foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Atualmente, ocupa o cargo de diretor do Insper. 

8 COMENTÁRIOS

  1. Esta série de debates poderá esclarecer bastante à população em geral, sobretudo aos que emitem opinião sem mesmo conhecer profundamente o assunto.
    Antes de entrar no debate, minha primeira pergunta: por que uma PEC? É preciso que nossa Constituição contenha tantos detalhes de gestão orçamentária? Inclusive com prazos? Acho nossa Constituição muito extensa. Por que não o Executivo propor uma lei ordinária ou mesmo complementar à Constituição em vez de uma Proposta de Emenda Constitucional-PEC?
    Essa é a primeira dúvida. Um abraço

  2. O texto seria legítimo se em algum momento fosse citada a redução das despesas absurdas nos 3 poderes, mas impor limites de investimentos na já sucateada educação e saúde para manter mordomias indecentes, gastos imorais e salários abusivos de toda estrutura política é pedir uma nova revolução francesa. Quando o povo partir para degola pode ser tarde para argumentar. Vergonha de tanta hipocrisia contratada.

    • Isso mesmo, eu aceitaria toda essa baboseira da reportagem se a faca não cortasse apenas a população mais pobre mas se também houvesse uma pec para a reforma da previdência dos políticos, a pec dos bancos com seus lucros exorbitantes que já exoneram o trabalhador, e a reforma no imposto de renda onde o rico fosse afetado também, mais até agora só o povo já sofrido que paga a incompetência dos governantes? Esse texto é um desserviço a população!

    • Concordo plenamente. É uma falácia dizer que a saúde não será prejudicada, pois seus gastos ocorrem acima da inflação, bem como no ensino e pesquisa. Ainda temos o pré-sal que é um imenso patrimônio, agora sob risco do entreguismo generalizado do atual governo. Pessoas milionárias como o autor, nascidas e criadas em berço esplêndido, têm visão tendenciosa acerca das melhores saídas para o “país”, visto que o país deles não é o da imensa maioria da população brasileira.

  3. Caro autor, se puder explique isso aqui saído do seu próprio texto:

    “O gasto com aposentadorias e assistência social corresponde a quase a metade da despesa do governo federal (…)”

    “A dívida pública passou de 50% do PIB para mais de 70% em dois anos, e vai continuar aumentando até o fim da década, ao menos.”

    Como o gasto com aposentadoria e assistência social corresponde a quase METADE do orçamento da União se a dívida interna, segundo você, chegou na casa dos 70%? A conta não fecha. A não ser que a sua semântica considere o “quase metade” na casa dos 30%. O que também não é verdadeiro. Juntos, previdência social (21,8%), saúde (4,0%) e educação (3,7%) resultam em 29,5% das receitas da União. Falando em semântica, saúde e educação jamais deveriam ser considerados”gastos”, mas, investimento na população desassistida, obrigação em qualquer estado nação que se pretende digno.

    A dívida pública não está na casa dos 70% mesmo porque se estivesse estaríamos com uma crise nos moldes em que a Grécia viveu recentemente. O seu texto em nenhum momento fala sobre a dívida pública e o pagamento dos juros sobre juros contraindo mais dívida para
    poder pagar esses juros, o que é inconstitucional, como a causadora dessa crise que estamos vivendo, mas tenta convencer que estamos gastando mais do que arrecadando e que a PEC 55 justifica-se por si só para ajustar as contas. Quem vai pagar por esse ajuste? Você minimiza o furor e o clamor social em torno dos cerca de 443 bilhões que deixarão de ser investidos na educação dizendo que o ensino básico não será afetado, APENAS as escolas técnicas federais e as universidades públicas e os setores de ciência e tecnologia. Ora, para quê uma nação precisa disso? Importante é fazer o ajuste fiscal e fechar a conta para podermos HONRAR o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública, ainda que a grande parcela social mal assistida venha pagar essa conta, enquanto legislativo e judiciário promovem concomitantemente reajustes nos seus próprios salários.

    Honestidade mínima e razoável seria abordar
    essa problemática por esses pontos de vista omitidos. Eu me eximo de adjetivar o seu texto por estar em sua casa, mas respeito mesmo eu tenho do movimento em massa que se espalha a partir das ocupações secundaristas. Se pensavam que não haveriam resistências caíram do cavalo. E a cada atitude arbitrária, truculenta e ilegal do estado invadindo as ocupações sem mandado judicial, mais os outros setores públicos se revoltam e se reúnem para ocupar o estabelecido. É o mesmo efeito da repressão sexual, quanto mais oprime, mais o corpo escapa por todos os lados.

  4. A questão é: diante de tantos gastos com regalias dos 3 poderes, e de uma dívida pública não auditada (o que dependendo do que fosse encontrado nas investigações diminuiria a dívida) por que o teto envolve áreas como educação e saúde? Ou seja, quais estão sendo as prioridades quando se trata em reduzir despesas?
    Além disso, é imprescindível ressaltar que o PNE aprovado prevê a expansão do ensino público principalmente na educação infantil, como estabelecer um teto de gastos na educação sendo que a partir das metas estabelecidas pelo PNE precisaríamos de mais investimento na área?
    Qual o posicionamento do Instituto Alfa e Beto sobre isso?