A relação entre QI e desempenho escolar | Capítulo 14

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O QI – ou nível de Inteligência – é um forte preditor do desempenho escolar. Testes de QI realizados com crianças em idades muito tenras – de dois anos e menos – permitem estimar com muita segurança o nível futuro de desempenho escolar. Em idades mais avançadas, esses testes são preditores ainda mais robustos do desempenho escolar. Ou seja: conhecendo o resultado, eu posso estimar com muita precisão o que acontecerá no futuro do aluno. Se a identificação precoce de capacidades ou habilidades vale para orientar o futuro profissional de atletas, músicos ou artistas, por que não serviria para orientar o futuro acadêmico das pessoas?

A correlação entre notas de QI e de desempenho escolar é especialmente forte em testes como os de linguagem e de matemática. A razão é que as capacidades mentais mais gerais de raciocínio, lógica, solução de problemas e rapidez de resposta são mais exigidas nesses testes, e são avaliadas de forma relativamente independente do conhecimento específico do conteúdo.

Mas a correlação também é muito elevada em testes que medem o conhecimento específico em ciências ou literatura. A explicação mais simples é que as pessoas com um maior nível de inteligência têm mais facilidade para aprender os conteúdos das diferentes disciplinas – desde que haja motivação ou incentivos.

No Brasil podemos observar a alta correção das notas dos alunos em testes como o ENEM. Quem tira nota alta em uma disciplina também tende a tirar nota alta nas demais – com raras exceções. Isso se observa também em testes internacionais, como o Pisa.

Pesquisadores fizeram estudos comparando o QI dos participantes do PIRLS, TIMMS e Pisa em dezenas de países, e demonstraram que a correlação dos resultados de testes de QI com os testes do Pisa é altíssima, próxima de 1. Por essa razão, é possível usar a nota de testes dessa natureza como alternativa a testes de inteligência – a maioria das pessoas que tiram as notas mais altas nesses testes também são pessoas que geralmente possuem um QI elevado. Por outro lado, a recíproca não é verdadeira: o desempenho escolar não reflete apenas o nível de inteligência – ele reflete também o nível de esforço e da combinação e uso de outras habilidades não cognitivas.

O fato de haver uma elevada correlação entre notas em testes acadêmicos e testes de QI precisa ser analisado com cuidado, pois as notas dos testes acadêmicos podem aumentar – como costumam aumentar – mas não as notas em testes de QI. Um aluno brilhante pode tirar boas notas com esforço relativamente moderado, já um aluno menos brilhante precisará de um esforço muito maior para chegar às mesmas notas. A elevação das notas pode representar maior esforço ou incentivos – mas ela só é possível porque as pessoas possuem condições intelectuais necessárias e suficientes para atingir ou superar seus níveis atuais. Portanto, o cabedal ou capital cognitivo não se limita ao nível de QI de um indivíduo ou de uma população: ele inclui a matéria prima (a capacidade) e o que é feito com ela (as habilidades que os indivíduos adquirem).

Esses estudos trazem várias implicações:

  • Primeiro, o QI é mais importante para explicar o desempenho escolar dos alunos do que o status socioeconômico16. Portanto, ao avaliarmos a melhoria de uma escola, ou de um sistema escolar, podemos prever o potencial, a dificuldade e o mérito de avanços com maior precisão se usarmos como indicador o QI dos alunos do que outros indicadores. Ademais, a interpretação poderá ser muito diferente de acordo com a composição cognitiva do alunado.
  • Segundo, esses conhecimentos sugerem que pode haver diferentes arranjos para a organização escolar em função desse critério. Arranjos mais ou menos homogêneos, por sua vez, requerem práticas pedagógicas diferentes para permitir que cada aluno atinja o seu pleno potencial. A simples organização de classes em função de faixa etária e tempo regulado pelo calendário escolar – sem outros cuidados pedagógicos – possivelmente inibe o desabrochar pleno do potencial cognitivo de todos os alunos e, nesses casos, sempre mais danoso para os alunos de menor nível intelectual.
  • Terceiro, o que sabemos sobre o tema sugere que crianças com QI abaixo de 85 (na escala norte-americana) necessitam atenção especial, pois são candidatos a apresentarem fortes dificuldades de aprendizagem de matérias escolares e, certamente, precisarão de mais tempo e empregar maior esforço. Pessoas com QI entre 85 e 115 possuem condições intelectuais de vencer os desafios típicos de um curso fundamental – com maior ou menor esforço. Pessoas com QI superior a 115 podem receber e ser capazes de responder a desafios muito maiores, e cursar com êxito e com esforço moderado um ensino médio acadêmico exigente e, quanto maior seu talento e esforço, aceder a cursos superiores altamente exigentes. Já as crianças com QI abaixo de 70 pontos são capazes de se alfabetizar e de aprender muito do que se ensina nas escolas, mas requerem uma atenção muito especial, por se situarem como fronteiriços do ponto de vista de capacidade mental.

Qualquer um desses indivíduos – por outro lado – pode ser brilhante ou medíocre em várias outras dimensões pessoais, sociais ou de talentos artísticos.

QI não explica tudo

A elevada correlação do QI com testes de diferentes tipos e aplicados em diferentes idades e circunstâncias comprova a importância desse fator no desempenho escolar. Mas todos sabemos que há casos de pessoas com QI não tão elevado que obtêm bom desempenho acadêmico. E também conhecemos pessoas com elevado QI com baixo desempenho acadêmico.

A correlação elevada representa a regra – é o que acontece na maioria dos casos. Os casos desviantes são a exceção: indivíduos que maximizam seu esforço ou indivíduos com QI elevado que não se esforçam. As exceções apenas confirmam a regra.

Cabe observar que em outros aspectos da vida, como trabalho e relacionamento, a correlação com o QI é muito mais baixa – pois fatores pessoais, interpessoais e socioemocionais desempenham papel mais importante do que o QI.

*Referência bibliográfica:

16 O impacto do nível socioeconômico dos alunos no desempenho escolar é uma medida de controle universalmente usada especialmente a partir dos estudos de James Coleman em meados da década de 60. Estudos mais recentes vêm demonstrando que uma parcela significativa do desempenho escolar pode ser melhor explicada pelas diferenças em testes de QI. Há problemas de mensuração especialmente devidos ao fato de que indivíduos provenientes das níveis socioeconômicos mais baixos podem ser mais beneficiados com intervenções adequadas – o que sugeriria um menor nível de hereditariedade nessas faixas. A respeito de correlações entre QI, SES e desempenho escolar ver especialmente:

• McDaniel, M.A. (2006). Estimates state IQ: Measurement challenges and preliminary correlates. Intelligence, 34, 607-619

Na próxima semana…

No próximo post vamos analisar a importância de conhecer a distribuição do perfil cognitivo de uma população e as implicações disso para a economia, a taxa de crescimento econômico e para a formulação de políticas públicas.